O Atakarejo, rede atacadista da Bahia, deverá pagar R$ 20 milhões em indenização por danos morais coletivos à população negra baiana referente ao assassinato de Bruno e Yan, tio e sobrinho que, em abril de 2021, foram acusados de furto de carnes na unidade da rede atacadista localizada no Nordeste de Amaralina, bairro periférico de Salvador.
Segundo nota do Ministério Público da Bahia (MP-BA), o valor será destinado ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente (Funtrad), do Estado da Bahia, para custear, preferencialmente, iniciativas relacionadas ao combate do racismo estrutural.
O acordo foi firmado na segunda-feira (18) através de um Termo de Acordo Judicial pela empresa com os ministérios públicos do Estado da Bahia (MPBA) e do Trabalho (MPT), defensorias públicas da União (DPU) e do Estado (DPE), além das entidades da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Centro Santos Dias de Direitos Humanos e Odara- Instituto da Mulher Negra, organizações autoras da ação.
À Alma Preta, o advogado representante das entidades, Marlon Jacinto, diz que o desfecho da ação representa um marco para as ações indenizatórias destinadas a políticas públicas.
“É um marco importante com uma muitas obrigações de fazer assumidas pela empresa e também com um valor muito considerável. Então, vai se concretizando uma das principais frentes que a Educafro busca nesses processos e que elevaram os patamares indenizatórios que antes dessas ações eram pífios e […] é um recurso bastante considerável diretamente alocado para políticas públicas”, comenta.
O advogado também cita a importância de promover uma mudança na política interna das empresas. “Afetar o ambiente de trabalho é importante porque na própria gestão, na seleção de pessoas, na maneira delas serem treinadas, tudo vai sofrer o impacto desse acordo”, ressalta.
Medidas antirracistas
Ainda de acordo com o MP-BA, a promotora de Justiça Lívia Vaz explica que o acordo também prevê a adoção de uma série de medidas antirracistas que já devem ser adotadas nos próximos 90 dias, como cumprir a obrigação de não realizar a contratação de empresa de segurança patrimonial que detenha em seus quadros empregados policiais civis ou militares da ativa ou que tenham sido expulsos das instituições; que mantenha entre seus empregados pessoas com condenação transitada em julgado por crimes em que haja o emprego de violência física ou psíquica; que seja gerida por policiais da ativa ou que tenham sido expulsos; que contrate policiais da ativa para realização de serviço ocasional; ou que não esteja devidamente registrada e autorizada para operar.
Além disso, a empresa também se comprometeu a não proibir a filmagem das abordagens realizadas por seus trabalhadores ou colaboradores nas dependências de seus estabelecimentos e/ou quando estejam, fora desses limites, exercendo atividade profissional em benefício do Atakarejo.
Ainda, nos próximos 12 meses, o Atakarejo deverá ter em seu quadro de trabalhadores a proporção racial aferida nas unidades da Federação em que estiver atuando conforme o mais recente censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Já nos próximos seis meses, o Atakarejo deverá atualizar o seu Código de Ética e Conduta para reforçar, de modo objetivo, a proibição de práticas discriminatórias ou que possam gerar constrangimento e demais riscos identificados e qualquer forma de violência física ou moral por qualquer dos seus trabalhadores, bem como revisar o conteúdo de sua política de diversidade e inclusão reforçando a ideia de tolerância zero à discriminação.
Além disso, não poderá adotar e tolerar qualquer ato ou conduta que possa ser caracterizada como prática discriminatória em razão de raça, idade, orientação sexual, gênero ou deficiência envolvendo seus empregados.
Ação pedia R$ 200 milhões
Inicialmente, a ação, aberta na justiça comum e no Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), pedia uma indenização de 200 milhões com objetivo de promover ações de reparação coletiva à comunidade negra de Salvador, além da reformulação das políticas internas do Atakarejo, especialmente no quesito racial.
No entanto, as entidades alegaram que o Atakarejo só ofereceu 2% do valor solicitado, de R$ 2,5 milhões. Em entrevista à Alma Preta, em abril deste ano, a advogada e e coordenadora do projeto “Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar”, do Instituto Odara, Gabriela Ramos, classificou a quantia como “irrisória”.
“Dois milhões [de reais] é um ‘trocado’ para eles. É sobre o impacto disso em uma comunidade negra na Bahia e como a gente consegue fazer uma reparação mínima, de prover alguma coisa para aquela comunidade impactada”, disse a advogada.
Na última audiência, ocorrida no último dia 14 de fevereiro, as entidades também apresentaram uma lista de testemunhas, incluindo uma garota que também foi entregue por funcionários do Atakarejo a traficantes seis meses antes da morte de Bruno e Yan. Na época, ela tinha 15 anos e também foi acusada de furto. Após as agressões, ela foi solta mas ficou hospitalizada devido a gravidade das lesões.
Ainda na ação, as entidades recomendaram uma série de medidas a serem adotadas pelo Atakarejo, como revisão imediata dos protocolos de abordagem de segurança no interior das lojas, elaboração e execução de plano detalhado para aceleração na carreira de negros e negras na empresa, além da implementação de ações educativas em direitos humanos para todos os funcionários.
Conforme apurado pela reportagem, com a assinatura do Termo de Acordo Judicial, a ação movida na justiça comum foi extinta, segundo consta em sentença assinada pela 9ª Vara Cívil e Comercial de Salvador. (Foto: Divulgação / Alma Preta)