Magistrados veem arapongagem da Abin como ‘atentado’ à independência entre os Poderes

Ajufe e AMB cobram punição para espionagem promovida “por um órgão de governo”. Durante o governo Bolsonaro, agência bisbilhotou ministros de tribunais superiores, jornalistas e servidores — supostamente desafetos do ex-presidente

 

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) publicou uma nota no sábado (23) em que classificou como “atentado à independência entre os Poderes da República” e uma “violação às prerrogativas da magistratura” o monitoramento clandestino de agentes públicos feito pela Agência Brasileira de Inteligência. O caso veio à tona sexta-feira (21), com a deflagração da Operação Última Milha pela Polícia Federal (PF).

De acordo com as investigações, a Abin espionou, durante o governo de Jair Bolsonaro, possíveis desafetos do ex-presidente — como ministros de tribunais superiores, juízes, jornalistas e servidores. A vigilância era feita sem autorização judicial e com um software chamado “First Mile”, que era pago com dinheiro público. O programa de origem israelense, foi comprado no governo do ex-presidente Michel Temer, sem licitação, por R$ 6 milhões.

Conforme a nota, “a Ajufe recebe com bastante preocupação os relatos sobre uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar clandestinamente agentes públicos, especialmente no âmbito do Poder Judiciário, durante quase quatro anos. Se confirmadas as informações, trata-se de grave atentado à independência entre os Poderes da República e uma violação às prerrogativas da magistratura. Agrava ao fato, ainda, o monitoramento ter sido promovido por um órgão de governo”.

A entidade que congrega os juízes federais observa, ainda, que as investigações devem ser “conduzidas com o máximo rigor e atenção que um caso de tamanha gravidade exige”. Afirma, ainda, que “vai acompanhar a apuração e espera que os responsáveis sejam exemplarmente punidos”.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) foi na mesma linha, em nota divulgada no domingo (23). “Se confirmado, o monitoramento ilegal de magistrados, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como de outros cidadãos, viola o Estado Democrático de Direito e ofende a independência judicial”, diz a nota da AMB.

As duas associações informaram esperar que os responsáveis sejam punidos com o “máximo rigor”.

Durante o governo Bolsonaro, a Abin foi dirigida pelo delegado federal Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL-RJ. Ele esteve à frente da agência entre 2019 e 2022, período no qual o software First Mile — que tem capacidade de rastrear até 10 mil celulares a cada 12 meses com base na localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G — foi utilizado na espionagem.

Pelas redes sociais, Ramagem se manifestou dizendo que “o referido sistema (First Mile) não fazia interceptação, mas demonstrava fazer localização. Mesmo tendo passado por prova de conceito técnico e parecer favorável da AGU para aquisição (2018), nossa gestão resolveu encaminhar à corregedoria para instaurar correção”.

Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, saiu em defesa de Ramagem também pelas redes sociais e disse que a investigação da PF sobre a espionagem feita pela Abin tem por objetivo prejudicar o deputado. “Foi só o nome do delegado Ramagem ser cogitado para a prefeitura do Rio de Janeiro que, sem motivo, o governo Lula começa a usar a máquina pública para persegui-lo”, publicou.

A Operação Primeira Milha prendeu os servidores Eduardo Arthur Izycki, que exercia a função de oficial de inteligência, e Rodrigo Colli, que trabalhava na área de Contrainteligência Cibernética da Abin. Ambos foram exonerados. Também foi afastado o número 3 da agência, Paulo Maurício Fortunato Pinto.

(Foto: Reprodução/Abin)

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