Após quatro meses, CPI do MST acaba sem relatório final

Lira não prorroga comissão e frustra presidente e relator da comissão. Para governistas e MST, resultado deflagra o “isolamento da extrema direita na Câmara” e o fortalecimento e popularização do movimento social

 

Foi publicado na edição do Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (27) o fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre as ações do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) na Câmara dos Deputados. Presidente e relator da comissão, os deputados federais Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP), respectivamente, aguardavam a publicação de um ato do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), prorrogando os trabalhos do grupo. O pedido de prorrogação foi protocolado na presidência da Casa na última quinta-feira (21) por Salles. Lira, que já havia adiado o fim da comissão em 10 dias –  a previsão inicial era de encerramento no dia 14 de setembro – não acatou o pedido do relator da CPI.

O texto de Ricardo Salles (PL-SP), que pedia o indiciamento de 11 pessoas, ficou registrado na Casa, mas sem efeito legal. Com o final dos trabalhos, esta foi a quinta comissão instaurada contra o movimento social na história do Congresso, sendo a terceira que terminou sem desfecho. Um fim melancólico que frustra Salles e Zucco, que contavam com o espaço para criminalizar o movimento. Em coletiva de imprensa nesta tarde, o presidente da CPI agradeceu o apoio de todos os deputados durante os quatro meses de duração (130 DIAS) e criticou, pela última vez, o movimento social e o governo federal. Em julho, após um acordo com partidos do Centrão, sete deputados oposicionistas foram retirados do colegiado.

O presidente anunciou o lançamento da Frente Parlamentar Invasão Zero e que irá entregar a Lira uma listagem com leis que a comissão considera relevantes para diminuir as ocupações de terra. Por sua vez, o relator Ricardo Salles afirmou que as investigações chegaram a um “bom termo” e que encaminhará os indiciamentos para a Procuradoria-Geral da República. “O trabalho desta CPI e de todos os integrantes será entregue nas mãos do procurador-geral da República, das procuradorias regionais e todas as autoridades de todos os abusos que foram identificados. Entendo que o trabalho da CPI chegou ao bom termo, ainda que manobras regimentais e governamentais tenham impedido e o relatório não tenha sido votado. Se tivesse sido votado ontem, teria sido aprovado”, afirmou Salles.

O prazo final de funcionamento expirou ontem, data em que cancelaram a sessão em que o relatório final seria votado. A medida foi tomada após o pedido de vista do deputado governista Nilto Tatto (PT-SP). De acordo com o regimento interno da Câmara, quando há vista de proposição, é preciso que se cumpra o prazo regimental de duas sessões. Nos bastidores, a cúpula tentou angariar um prazo de dois dias extra com Lira, que não atendeu as solicitações.

No documento de Salles, o parlamentar pedia o indiciamento de onze pessoas. Entre elas, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias e um dos fundadores do MST, o atual líder da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), José Rainha. Inicialmente, Salles havia anunciado que indiciaria o deputado Valmir Assunção (PT), mas voltou atrás após acordo com o Centrão. O petista havia sido acusado por ex-integrantes de ter cometido abusos contra outros sem-terra, como ameaça e furto.

 

Base governista da CPI do MST e dirigentes do movimento social realizaram uma coletiva de imprensa no Salão Verde da Câmara dos Deputados no fim da tarde desta quarta-feira. (Foto: Reprodução/TV Câmara)

 

Governistas comemoram

Na outra ponta, o MST também convocou uma coletiva de imprensa para falar sobre o fim desta CPI. Integrantes da direção do movimento leram uma nota em que afirmaram que a CPI representou uma derrota da “bancada agromilitar” e não discutiu os reais problemas do campo. “A extrema-direita não conseguiu nem ao menos colocar para votação o relatório construído por Ricardo Salles. A CPI não evidenciou os reais problemas do campo, pelo contrário, foi mais um palanque político para a direita bolsonarista avançar no processo histórico de criminalização da luta em defesa da Reforma Agrária, buscando investigar as ocupações legítimas realizadas pelo MST ao longo deste ano”, diz o comunicado.

“É neste contexto, que a CPI omite os principais problemas agrários do Brasil provocados pelo agronegócio, como o crescente desmatamento e queimadas, a grilagem de terra, a violência no campo, a super exploração do trabalho, a partir do uso de mão de obra análoga à escravidão, a destruição e contaminação dos bens naturais pelo uso de agrotóxicos. Além disso, entendemos que a Comissão, tal qual as diligências realizadas e o próprio relatório, foram formas de intimidação e perseguição contra as lideranças Sem Terra que lutam pela democratização do acesso à terra e por um projeto popular no Brasil”, acrescenta.

A base governista que compunha a CPI também celebrou a vitória. Ao Opinião em Pauta, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) relatou estar “muito feliz” com o desfecho favorável e definiu no fim melancólico da CPI como “o último suspiro da extrema direita” na Câmara para avançar na criminalização do movimento sem-terra. “Sem nenhum relatório aprovado, a CPI do MST terminou completamente desmoralizada e o movimento saiu ainda mais forte. Aliás, este foi efeito dessa CPI: popularizar o MST ainda mais, voltar para a ordem do dia o debate sobre reforma agrária. Agora, todo o Brasil sabe a importância de se lutar pela reforma agrária. Temos muito orgulho da nossa luta e atuação nesses meses de batalha. Agradeço a todos os que acompanharam e lutaram conosco e vamos em frente”, celebrou.

Sâmia acusou ainda a oposição de fake news pelo argumento usado pelos parlamentares de que teriam votos para aprovar o relatório. Segundo ela, Salles teve a chance de colocar o texto à votação, mas não o pautou para não ser derrotado. “Não tinham votos por um único motivo: tentaram criminalizar o MST e os parlamentares como se fosse crime pertencer ao movimento. Crime é invadir terras indígenas, manter trabalhadoras em condições análogas à escravidão (…) e a exportação de madeira que, aliás, tornou o relator, réulator”, disse em referência a Salles.

Já Nilto Tatto (PT-SP), outro titular da comissão, disse à reportagem do Opinião em Pauta que os apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) saíram desmoralizados. “Em nenhum momento a direção da CPI aceitou fazer esse debate sobre uma agenda positiva para melhorar a legislação para avançar na reforma agrária e na agricultura familiar. Em vez disso, mesa da CPI realizou atrocidades, que nós denunciamos. Como pode parlamentares desta Casa adentrarem um ‘barraco’ de um família sem mandato judicial? (…) Não apurou nada porque estamos terminando sem relatórios, mas nós cumprimos com a tarefa de discutir uma agenda positiva para fazer a reforma agrária”, disse.

Para ele, a direção da CPI não representa o agronegócio, mas uma “minoria que fez um barulho enorme”. Assim, afirmou, não estavam lá representados os empresários de fato voltados para a produção, mas proprietários envolvidos com desmatamento e violência no campo. O parlamentar também fez menção ao relatório paralelo elaborado pelo grupo. Nele, são listados crimes no campo de autoria do agronegócio e uma lista de iniciativas pró-MST, no intuito de fortalecer o movimento.

Os dois deputados participaram da coletiva ao lado da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e dos deputados Valmir Assunção, Talíria Petrone e Camila Jara. Na ocasião, todos usaram bonés do MST. A integrante da direção nacional do movimento, Ceres Hadich, também participou do evento.

Para a dirigente, o resultado da comissão evidenciou isolamento da extrema direita, na sociedade e no próprio parlamento. “Buscou fundamentalmente, mais uma vez, criminalizar os movimentos sociais, as pessoas que se organizam para lutar”, disse.

Por outro lado, acrescentou, ajudou “a evidenciar os enormes problemas agrários que a gente enfrenta no nosso país, há mais de cinco séculos”. Entre esses problemas, citou, estão o desmatamento, a grilagem de terras, o aumento da violência e o uso “desenfreado” de agrotóxicos. O movimento pretende ainda entregar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cópia de carta aberta de apoio ao movimento.

Desfecho melancólico

Com o final da CPI, a comissão de Zucco e Salles se torna a terceira investigação contra o MST instalada no Congresso que terminou sem desfecho. A primeira ocorreu em 2003, após Lula ter tirado uma fotografia com um boné do movimento social. Os trabalhos terminaram em 2005 e um relatório da oposição, formulado por Aberlardo Lupion — pai do atual presidente da Frente Agropecuária Pedro Lupion. O documento, no entanto, não teve indiciamentos.

Já em 2009, um requerimento do ex-ministro de Bolsonaro Onyx Lorenzoni instalou a segunda CPMI, com a relatoria do governista Jilmar Tatto (PT). Com o petista, a comissão durou um ano e meio, mas não teve efeito legal.

(Foto: Jonas Santos/Divulgação)

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