Analfabetismo em crianças brasileiras dobra entre 2019 e 2022, aponta Unicef

A proporção de crianças de 7 anos de idade que não sabem ler nem escrever saltou de 20% para 40% de 2019 para 2022

 

A proporção de crianças de sete a nove anos de idade que não sabem ler nem escrever dobrou nos últimos quatro anos no Brasil, segundo os dados de um relatório divulgado nesta terça-feira (10) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). De acordo com o documento, de 2016 a 2019 houve um “aumento sutil” no acesso à alfabetização. No entanto, no intervalo de 2019 a 2022, o cenário apresentou um retrocesso impactante.

O aumento foi mais significativo entre aquelas de sete anos de idade, passando de 20% em 2019 para 40% em 2022. Entre crianças de 8 anos, o analfabetismo mais que dobrou e subiu de 8,5% para 20,8% no período. Entre o grupo de 9 anos, a taxa aumentou de 4,4%, em 2019, para 9,5%, em 2022. “A gente vive um momento muito crítico em relação ao analfabetismo, vendo o salto que o indicador deu. Há um passivo, de certo modo histórico, relacionado à qualidade da educação no Brasil. É importante que se entenda e que se tenha um esforço concentrado para que esse passivo da pandemia não se prolongue mais tempo”, ponderou Santiago Varella, especialista em Políticas Sociais do Unicef no Brasil.

Para os grupos de idade mais avançada, a partir dos dez anos, as variações foram menos drásticas, mas ainda carentes de atenção. Para as crianças de dez anos, por exemplo, a taxa subiu de 2,4%, em 2019, para 3,5%, em 2022. Este recorte ocorre justamente por que essas crianças tinham sete anos — ou seja, estavam em idade de alfabetização – em um momento anterior ao do fechamento das escolas na pandemia. “De todas as dimensões analisadas, a que mais piorou no país foi a alfabetização, chamando a atenção para a urgência de políticas públicas coordenadas em nível nacional, estadual e municipal para reverter esse quadro” alerta Santiago Varella.

O levantamento também avaliou a questão de estar na escola na idade certa. Nesse caso, houve melhora em 2022, crescente que vem desde 2016. Cerca de 3,8% deles estavam na série adequada, 3,4% tinham uma privação intermediária e 2,9%, privação extrema, isso em 2022. Entretanto, esses dados podem estar relacionados apenas à aprovação automática na pandemia de covid-19 e de como o governo daquele momento lidou com as dificuldades de aprendizado na ocasião.

Desigualdade racial

As crianças mais afetadas pela questão da educação foram as crianças negras, que representaram maioria em boa parte do levantamento. O estudo mostra que a desigualdade racial também cresceu, e meninas e meninos negros na faixa de alfabetização foram os mais afetados pela pandemia. A diferença da taxa de analfabetismo entre crianças brancas e negras de 7 a 10 anos passou de 4,3 para 6,7 pontos percentuais de 2019 a 2022. Segundo o Unicef, os dados indicam a “urgência de políticas públicas coordenadas em nível nacional, estadual e municipal para reverter esse quadro”.

“As desigualdades raciais no Brasil são persistentes. Agora, estamos vendo isso nas crianças e em muitas formas de privação de direitos”, completou Santiago Varella.

Em 2022, 60,3% das crianças e dos adolescentes eram privados de um direito ou mais no Brasil. Apesar da ligeira queda em relação a 2019, o percentual corresponde a 31,9 milhões de pessoas de 0 a 17 anos, de um total de 52,8 milhões no país. A privação mais crítica no Brasil em 2022 é a de saneamento básico, que afeta mais de um terço (36,98%) dos brasileiros de 0 a 17 anos. Os estados do Norte possuem os piores indicadores.

“São pessoas que não têm banheiro individual e fazem suas necessidades em fossas fora de casa, dividindo com outras pessoas”, ilustrou Santiago Varella.

As privação de renda atingiu 36% dos brasileiros entre 0 e 17 anos em 2022. Além disso, cerca de 20% dos meninos e meninas têm renda familiar abaixo do necessário para uma alimentação apropriada.

Para a elaboração do relatório, o Unicef analisou o acesso de crianças e adolescentes a seis direitos básicos: renda, educação, informação, água, saneamento e moradia. A pesquisa também considerou a dimensão alimentar. O Unicef destacou também como as desigualdades regionais influenciam nos números. No ano passado, quatro dos 27 estados apresentavam mais de 90% de crianças e adolescentes sofrendo privação de algum direito, todos nas regiões Norte (Pará e Amapá) e Nordeste (Maranhão e Piauí). A privação também é maior entre negros do que brancos: 68,8% ante 48,2%.

(Foto: Reprodução/Fundação Roberto Marinho)

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