A TAP e a crise do governo de maioria absoluta em Portugal

Lisboa (Henrique  Acker ) –  Em outubro de 2021 cheguei ao Porto, saindo do Rio de Janeiro. Vôo direto e calculado em 9 horas. O que não imaginava eram as condições de acomodação que enfrentaria na viagem numa aeronave da TAP.

Como em todas as demais companhias aéreas do nosso tempo, espaço mínimo entre as fileiras de cadeiras (são poltronas?), alimentação processada e muito, mas muito desconforto para os passageiros.

Hoje, pouco mais de um ano de minha chegada estoura novo escândalo envolvendo a gestão da TAP.

Descobre-se que uma das suas ex-diretoras, que tinha muito boas relações com a diretora jurídica da TAP e esposa do atual ministro das Finanças, Fernando Medina, saiu da empresa em fevereiro de 2022 levando uma indenização de meio milhão de euros.

Depois veio a público que Reis pedira 1,5 milhão de euros de indenização. Cabe lembrar que a TAP é um empresa pública em processo de recuperação.

O caso Alexandra Reis

Quatro meses depois de deixar a TAP, Alexandra Reis foi alçada à direção de outra empresa pública do ramo, a NAV, prestadora de serviços na navegação aérea. Mais adiante, esta mesma senhora é promovida a secretária de Estado do Tesouro, justamente por Fernando Medina.

Sem condições de manter-se no cargo depois do escândalo da indenização milionária, a senhora Reis pediu demissão. Não se sabe se devolverá o dinheiro da indenização, que incluiu o pagamento de quatro férias não vencidas e outros benefícios que ela mesma negava aos trabalhadores, quando fazia parte da direção da companhia.

A TAP já passou por uma experiência de privatização no governo do PSD (2015), quando foi entregue a um consórcio que tinha David Neeleman (então dono da Azul) com participação de capital de 49%.

Um ano meio depois, em 2017, com Antonio Costa (PS) como primeiro-ministro, o Estado português retoma metade das ações da companhia aérea. Em 2019, o grupo chinês que apostara na TAP se retira do negócio. Finalmente em 2020, já na pandemia, o governo arremata a participação de Neeleman, que se considerava sem condições de manter investimentos na empresa.

Depois de nomear três ex-dirigentes para administrar a TAP, o governo português anuncia a chegada da nova CEO em 2021, a senhora Christine Ourmières-Widener. Tratada como gestora competente, Christine esteve a frente da companhia aérea britânica Flybe, que cessou suas atividades em março de 2020, depois de um processo de liquidação judicial.

 

Problemas ou soluções?

Se o açodamento foi a marca da primeira privatização da TAP, por conta das pressões da troika (Coomissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) sobre o governo de Passos Coelho (PSD), o governo Antonio Costa prefere um processo estudado, dando passos mais seguros para privatizar a empresa até 2024, quando se encerra o tempo estimado da atual gestão da TAP. Usa a experiência da senhora Christine para cortar investimentos, enxugar estruturas e reduzir pessoal, o que tende a desvalorizar a companhia.

Dona de prestígio entre as poucas empresas estatais do ramo, a TAP passou a protagonizar atrasos e cancelamentos de vôos, arrocho salarial e demissões de pessoal de bordo e de terra, piorando a relação com a clientela, prejudicando em muito sua imagem junto a opinião pública.

Não foi só o caso Alexandra Reis que trouxe à tona o modelo de “mercado” aplicado pela gestão da senhora Christine.

Foi ela que levou para a companhia uma amiga pessoal que nunca trabalhou no ramo para ocupar cargo de direção e fechou a compra de veículos BMW novos, que seriam entregues aos dirigentes da TAP. A informação vazou para a mídia a tempo do negócio ser abortado.

Por sua vez, o governo Costa vem trabalhando para reduzir a presença da TAP no próprio mercado português. É o que se depreende da recente venda de slots para a operação de voos nos aeroportos de Lisboa e Porto, antes ocupados pela TAP, adquiridos por empresas privadas estrangeiras.

 

Desfalque à esquerda

Diante do novo escândalo, o ministro responsável pela pasta das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, decidiu pedir demissão, mas até agora Fernando Medina e a senhora Christine Ourmières-Widener não deram um pio sobre o caso que envolveu Alexandra Reis.

Certamente sob pressão, Nuno Costa acabou por renunciar ao seu posto na direção do PS e pedir a suspensão temporária de seu mandato como parlamentar na Assembléia da República.

Nuno Santos esteve nos últimos sete anos no governo. Foi um dos principais responsáveis pelo diálogo com os partidos de esquerda para a formação da “Geringonça” (2015/2019), que tornou possível a chegada de Antonio Costa ao centro do poder. Por este motivo sempre foi tido como um homem da ala esquerda do PS e de diálogo com o Bloco de Esquerda e o PCP. Era dos mais cotados como candidato a suceder Antonio Costa nas próximas eleições.

Daí sua queda ter um significado muito maior do que uma crise política de curto prazo. Já há outros parlamentares do Partido Socialista a criticar os rumos do atual governo. Parece que a maioria absoluta na Assembléia da República, sonho concretizado por Antonio Costa na eleição de janeiro de 2022, tornou-se uma armadilha para o próprio PS.

 

Maioria absoluta ou governo isolado?

Governando em maioria, mas isoladamente, Costa acaba recebendo um bombardeio de críticas de todos os lados, da extrema-direita, passando pela direita liberal e o centro-direita do PSD, até a esquerda, pelo BE e o PCP. Já são 11 ministros e secretários que pediram para sair ou foram afastados do governo, em menos de dez meses de gestão.

Com a crise provocada pelas consequências da guerra da Ucrânia, os elevados preços dos combustíveis, o aumento do custo de vida, a subida da inflação (10% ao ano), o arrocho dos salários e pensões, cresce a insatisfação com o governo do PS.

Há greves de professores, ferroviários, crise nas urgências dos hospitais, aumentos das rendas (aluguéis). Nem o aumento do salário mínimo para 760 euros consegue aplacar o descontentamento dos trabalhadores e aposentados portugueses, que assistem seu padrão de vida cair mês a mês, como acontece em toda a Europa.

O processo da privatização da TAP é mais um capítulo da ausência de gestão pública em meio à gula do financismo neoliberal que impera no Planeta. Até agora nem os trabalhadores da companhia aérea nem seus usuários foram ouvidos para dizer o que pensam e propõem para a empresa. (Foto arquivo TAP)

 

(*) Henrique Acker é jornalista e correspondente internacional

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