A extrema-direita e o fundamentalismo religioso

Henrique Acker (correspondente internacional) – Toda religião, como está na origem da palavra, é uma tentativa de religar o homem a Deus ou a deuses. As mais difundidas e mais conhecidas baseiam-se em fundamentos e escrituras sagradas (Bíblia, Alcorão, Torá, Páli Tripitakan, Vedas, Cinco Clássicos, etc), que remontam a tempos antigos, passíveis de interpretações das mais diversas.

Por isso mesmo, todas as religiões correm o risco de sofrer deturpações e serem instrumentalizadas para outros fins. É daí que surgem as dissidências ou interpretações que podem conduzir à formação de seitas.

De acordo com  a definição do dicionário Priberam, seita é um “Grupo que segue uma doutrina que deriva ou diverge de uma religião”. Mas o mesmo dicionário dá uma definição mais ampla, que também pode ter um alcance social e político: “Grupo organizado de caráter fechado”.

No caso específico da Palestina, o sionismo de extrema-direita e o fundamentalismo islâmico são elementos políticos determinantes para a supremacia do Estado de Israel e o apartheid contra os palestinos.

 

Os EUA e as seitas religiosas

Num tempo em que o grande capital encontra-se numa encruzilhada, com o predomínio do sistema financeiro e da especulação, tornou-se comum o surgimento de seitas derivadas de pensamentos ultraconservadores, que se apropriam ou adaptam religiões aos seus objetivos, transformando-as em organizações excludentes.

Na sua origem, todas as religiões têm seus rituais, líderes espirituais, guardiões dos templos, que procuram “catequizar” ou arrebanhar fiéis, a partir de escrituras consideradas “sagradas”. Apesar de baseadas em dogmas, nenhuma tem pretensões expansionistas, imperialistas ou mesmo bélicas.

Mas as seitas delas derivadas têm causado grandes estragos, sobretudo quando associadas a disputas geopolíticas. Três casos de maior repercussão que exemplificam isso são as seitas neopentecostais (de origem cristã), o sionismo (de origem judaica) e o jihadismo (de origem islâmica).

Todas crescem a partir de meados do século XX, com a afirmação dos EUA como principal potência econômica, política e militar no Mundo ocidental. Isso não acontece por acaso. Há um elo de ligação evidente entre fundamentalismos religiosos e a política estadunidense no Mundo. Essas alianças tendem a sair de controle e, via de regra, descambam para métodos de extrema-direita, adotando a intolerância como princípio e a violência como prática.

 

Sionismo extremado

O sonho de “uma terra sem povo para um povo sem terra”, foi estimulado pelo movimento sionista judaico, com apoio do governo britânico, que controlava a Palestina ao final da segunda grande guerra. Com o advento do holocausto, os governantes europeus viram na criação de um Estado para os judeus na Palestina a oportunidade de se livrarem da “questão judaica”.

O Estado de Israel já nasceu fora do controle da ONU e dos que imaginavam que também haveria espaço na região para um Estado Palestino, em 1947. Antes mesmo dos países árabes declararem guerra a Israel, grupos sionistas armados eram tolerados pelos ingleses e passaram a aterrorizar as aldeias palestinas, no que se chamou de Nakba (catástrofe ou desastre), com a expulsão de 750 mil palestinos e o roubo de suas terras.

Com a derrota das tropas árabes, em 1948, o Estado de Israel fincou bandeira em várias regiões que seriam território do Estado Palestino, de acordo com a proposta inicial da ONU. Dali em diante, o que passou a vigorar foi o sionismo político, alternado entre governos conservadores e trabalhistas.

O plano era basicamente o mesmo: expandir o território de Israel, a partir da implantação de colônias com levas cada vez maiores de judeus da Europa e EUA, convidados a se estabelecerem na região.

 

O sionismo e o Hamas

Convencido da necessidade de enfraquecer e derrotar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), o governo de Israel permitiu e fez vista grossa ao trabalho religioso e social na Faixa de Gaza, comandado pelo grupo Hamas, que nasceu como um braço da Irmandade Muçulmana do Egito.

Anos mais tarde, Israel conseguiu enfraquecer a OLP e a Autoridade Nacional Palestina, sem cumprir sua parte no acordo de paz de Oslo, assinado em 1993. O Estado sionista continuou  incentivando e dando cobertura à expulsão de palestinos de suas terras e à implantação de colônias judaicas em terras palestinas.

Em contrapartida, o Hamas passou a dirigir a Faixa de Gaza e cresceu em popularidade na Cisjordânia, quando passou a dirigir ações militarizadas contra Israel. Isso acabou por fortalecer ainda mais a extrema-direita sionista e reduzir a força dos israelenses que pregavam a retomada dos acordos de paz na região.

 

Apartheid em Israel

O acordo de paz de Oslo (1993) – que previa um processo de formação do Estado Palestino em troca do reconhecimento do Estado de Israel – foi sabotado pela direita israelense, o que levou à retomada da luta direta dos palestinos. A juventude se levantou, no que ficou conhecido como Intifada. A partir de então, a OLP já não tinha o controle das ruas e crescia a força do Hamas e outros grupos jihadistas na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.

A resposta do Estado de Israel foi massacrar os levantes da juventude palestina e incentivar a formação de mais e mais colônias judaicas em terras palestinas. Ao mesmo tempo, cresceu a influência dos sionistas de extrema-direita e partidos religiosos em Israel, ao ponto em que Benjamim Netanyahu chega, em 2023, ao seu terceiro mandato.

É comum entre os setores mais críticos desta política em Israel reconhecer que o governo de extrema-direita executa uma limpeza étnica contra os palestinos, um verdadeiro regime de apartheid. Israel ergueu muros para separar territórios, isolando a Faixa de Gaza e a Cisjordânia.

A isso se soma a prisão de mulheres e crianças, o tratamento dos palestinos como se fossem gente inferior, a instalação de colônias de fanáticos sionistas em territórios na Cisjordânia, o cerco permanente à Faixa de Gaza e até a deturpação da história nas escolas israelenses.

 

Neopentecostais e o sionismo cristão

O neopentecostalismo surge nos EUA a partir de dissidências das igrejas evangélicas tradicionais. Muitas dessas seitas foram autorizadas a desenvolver o trabalho de catequização das tribos indígenas, em consonância com o avanço da “conquista do Oeste” pelos brancos europeus.

Muitas denominações evangélicas tiveram origem no protestantismo tradicional, mas seguiram suas próprias formas de organização, como é o caso dos mórmons.

Mais de um século depois da conquista do Oeste pelos colonizadores brancos, surge nos EUA o fenômeno dos pastores televisivos. É daí que emerge o chamado “sionismo cristão”, uma das alas mais radicais. Para eles, a profecia bíblica da volta de Jesus está associada diretamente a que os judeus retornem para Jerusalém e para a Palestina.

Para esses cristãos fundamentalistas, o marco principal foi a instalação de Israel em 15 de maio de 1948. É como se a profecia estivesse sendo realizada a partir daquele momento.

O maior expoente dessa corrente foi exatamente Lorde James Balfour, cristão anglicano, autor da famigerada carta de 1917, prometendo que a Inglaterra tudo faria para garantir uma terra aos judeus na Palestina e ajudaria na imigração para lá. Nos EUA o pastor tele evangelista mais famoso, e cristão sionista fervoroso, é Pat Robertson.

Donald Trump é adepto dessa corrente do sionismo cristão, fazendo o jogo dos sionistas que, em seu país, são extremamente fortes e atuam através do lobby chamado AIPAC (American Israel Public Affair Commitee, ou Escritório de Negócios Públicos Israel-Estados Unidos).

 

Bancada evangélica

A Igreja Universal do Reino de Deus é um braço deste movimento, implantado no Brasil por Edir Macedo. Segundo Macedo, a IURD é definida como uma Igreja Cristã – fundamenta-se na Reforma Protestante – e Neopentecostal, baseada no pentecostalismo dos EUA. os princípios defendidos pela IURD são a “libertação dos espíritos demoníacos” e a “crença na prosperidade como vontade de Deus”.

A chamada “Teologia da prosperidade” é uma resposta dos evangélicos à Teologia da libertação e a opção pelos pobres, movimento que surgiu nas bases da Igreja Católica em toda a América Latina, na década de 70, e que se opôs às ditaduras militares.

No Brasil vários parlamentares de extrema-direita se destacam na defesa da Teologia da prosperidade: Marcos Feliciano (pastor evangélico),  Magno Malta, Damares Alves, Marcos do Val, Eduardo Girão e mais de uma centenas de deputados federais de diversas denominações, formando a conhecida “bancada evangélica” no Congresso Nacional.

Não por acaso, as denominações evangélicas passaram a se aproximar e realizar expedições cada vez mais constantes a Israel, com cerimônias de batismo de fiéis nas águas do Rio Jordão. O próprio Bolsonaro, quando Presidente, fez questão de visitar e estabelecer boas relações com o governo de direita de Israel.

A TV Record, ligada à IURD, produziu e exibiu séries e telenovelas em que os feitos das tribos judaicas e seus líderes eram sempre exaltados. É o que explica o desespero de alguns deputados e senadores evangélicos em exigir que o governo brasileiro condene os palestinos e defenda Israel, se possível até com o envio de tropas para o conflito.

 

Jihadismo

O islamismo é considerado a religião que mais cresce no Mundo. Dele derivaram uma série de seitas e grupos políticos que professam e baseiam suas ações no chamado “fundamentalismo islâmico”, como os Talibãs, Al Qaeda, Estado Islâmico (Daesh), Hamas, Hezbolla, etc, por todo o mundo árabe. Onde se estabelecem, impera um ambiente de restrições aos direitos das mulheres, a mistura de dogmas religiosos com a Educação e forte preconceito contra as minorias.

A origem desses grupos está na década de 1950, quando autoridades norte-americanas se mostravam preocupadas com a ascensão de lideranças da esquerda nacionalista no Oriente Médio. Naquela época, os EUA temiam que algumas nações árabes integrassem o bloco soviético, ameaçando o controle da indústria petrolífera.

Entre 1950 e 1990, a associação dos EUA e aos grupos fundamentalistas esteve no centro de alguns acontecimentos históricos. No governo do ditador Sukharno, mais de um milhão de comunistas indonésios foram assassinados pelos militantes do Sarakat-para-Islã. Em outros países, como Síria e Egito, apoio logístico e militar foi empregado pelos norte-americanos para que os governos nacionalistas de esquerda perdessem respaldo popular.

No ano de 1979, os EUA forneceram armas e treinamento para que grupos de guerrilheiros afegãos (mujahedins) lutassem contra os invasores soviéticos. Nas décadas subsequentes, os Estados Unidos financiaram a chegada dos talibãs ao governo do Afeganistão. Em contrapartida, no mesmo 1979, os iranianos fundamentalistas derrubavam o governo apoiado pelos norte-americanos por meio da revolução islâmica.

 

Feitiço contra o feiticeiro

Aos poucos, vários grupos fundamentalistas islâmicos compreenderam que os EUA promoviam as intervenções e alianças que se ajustassem melhor a seus interesses geopolíticos. Assim, a antiga aliança foi se transformando em ódio, em que os “terroristas” confrontavam o poder do “demoníaco império do Ocidente”, sobretudo depois da Guerra do Golfo Pérsico (1990/91).

Em 2001, essa rivalidade chegou ao seu ápice quando integrantes da organização Al-Qaeda, comandada por Osama Bin Laden, organizaram o ataque às torres do World Trade Center. A partir dali, o Mundo começou a ser sacudido por ações terroristas de grupos fundamentalistas islâmicos.

Esses grupos incentivam e têm como prática comum a chamada “radicalização”, com o sacrifício de mártires em ações suicidas, que causam baixas e estragos junto aos inimigos.

No caso da Palestina, o Hamas tornou-se um grupo político que controla a Faixa de Gaza e tem forte influência na juventude da Cisjordânia. Seu método é o da luta armada, rejeitando qualquer diálogo com o Estado de Israel, a quem não reconhece.

 

O que querem os palestinos

Hoje, dos cerca de 12,5 milhões de palestinos, menos da metade resiste em suas terras. São 2,3 milhões na reduzida Faixa de Gaza, 1,6 milhão em Israel e cerca de três milhões na Cisjordânia, enfrentando todo tipo de humilhações. Fora da Palestina vivem outros três milhões na Jordânia, 400 mil no Líbano, 630 mil na Síria e outras centenas de milhares distribuídos pelo Mundo.

São três as questões básicas dos palestinos para que se estabeleça um ambiente de paz: 1. Direito de retorno aos que quiserem voltar à Palestina; 2. Definição de fronteira da Palestina em pelo menos a que existia antes da guerra de 1967; 3. Estabelecimento de Jerusalém (pelo menos a parte Oriental) como capital do Estado Palestino.

Não só os sionistas negam tudo isso, como tomam medidas que vão dificultando cada vez mais a obtenção da paz. (Foto: REUTERS)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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