João Salame
Alguns colunistas da grande mídia insistem em criticar a política externa do governo Lula em relação a Nicarágua e Venezuela. Convenhamos, do ponto de vista do pensamento de esquerda, Nicolás Maduro e Daniel Ortega não ajudam. Os abusos e o autoritarismo presente nos dois governos saltam aos olhos. Cuba, com menos problemas, mas também com passivos no plano da democracia (por mais justificáveis que sejam em função do criminoso bloqueio imposto pelos EUA) é alvo de ataques.
Mas é engraçado como a crítica é seletiva. Porque nenhum desses articulistas critica a política externa brasileira em relação ao governo da Árabia Saudita? Uma ditadura familiar que, além de exercer uma política medieval em relação às mulheres, manda executar jornalistas dissidentes em outros países.
Talvez a venda de uma Distribuidora de Combustíveis em Manaus por bilhões de reais a um Fundo Árabe explique esse silêncio de parte das elites do nosso jornalismo e também a propina em joias ao casal Bolsonaro.
E as relações com o governo sionista de Benjamin Netanyahu em Israel? Um Estado dominado por uma direita belicosa, que costumeiramente perpetra crimes contra o povo palestino? Porque esses articulistas não criticaram a política externa brasileira em relação a Israel, sobretudo no governo Bolsonaro?
Vamos pegar o caso chinês. Talvez alguns setores de esquerda não gostem, mas o governo do PC Chinês não é um primor de democracia. Ao contrário. A perseguição a dissidentes, restrições no que tange a liberdade de imprensa e outros elementos autoritários são a marca do regime. Mas como se tornou o maior parceiro comercial do Brasil nossas elites fecham os olhos, ou melhor, a boca, na hora de criticar as relações com Pequim.
O silêncio em relação a Israel, Árabia Saudita e China, por exemplo, tem a ver com os interesses econômicos de nossas elites. Mas é forçoso reconhecer que num mundo com diversas realidades, de relações multilaterais, ser muito “principista” afasta os negócios necessários para girar a roda da economia nacional. É preciso diplomacia, o que significa muita habilidade.
Na realidade todos os países deveriam ser tratados com a mesma régua. A da não interferência, da soberania entre os povos, ainda que essa postura possa evoluir para uma crítica contundente e ações internacionais mais proativas em casos de crimes contra a humanidade, tortura e assassinatos em massa. Convenhamos, por mais que cometam atos autoritários, não dá pra enquadrar Cuba, Venezuela e Nicarágua nesse cenário.
Parece-me que essa insistência na crítica à política externa em relação a esses países por parte de setores da grande mídia tem mais a ver com um posicionamento ideológico de desgaste do governo Lula do que de compromisso real com a democracia. A clássica hipocrisia de nossas elites.