O difícil caminho da paz entre Rússia e Ucrânia  

Por Henrique Acker  –     Às vezes, é preciso ser didático para auxiliar o leitor que não está muito acostumado a acompanhar e compreender as disputas internacionais. É o caso do complicado processo de negociação que se pretende estabelecer para um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia.

A pretensão aqui é apresentar os diversos atores envolvidos no conflito e seus interesses. Assim, será mais fácil compreender como eles se movem nos bastidores e na guerra midiática que envolve qualquer conflito.

 

O que levou à guerra

O atual governo ucraniano é expressão de um setor conservador mais moderado da revolução da Praça Maidan, que ocorreu em 2014 e depôs um governo eleito e com boas relações com a Rússia. Uma das bandeiras daquele movimento, também abraçado por grupos ultranacionalistas de direita, era a adesão da Ucrânia à União Europeia e à OTAN.

Para os ucranianos, a guerra se dá a partir da invasão russa, em fevereiro de 2022. O objetivo russo, segundo o governo de Kiev, seria expandir seu território não só aos territórios de fronteira com a Ucrânia, mas impedir a soberania do povo ucraniano e avançar contra os demais países do Leste da Europa.

O governo Putin é a expressão de grandes grupos privados russos, muitos dos quais formados por ex-dirigentes do antigo regime, que enriqueceram com a liquidação do patrimônio estatal da URSS. Portanto, o regime russo nada tem de socialista.

Quando da dissolução da URSS (1991), as negociações entre M. Gorbachev e Ronald Reagan previam que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se manteria distante das fronteiras da Rússia. No entanto, isso não foi cumprido e parte das antigas repúblicas soviéticas e países vizinhos se associou à OTAN.

 

O estopim do conflito

As regiões ucranianas de Lugansk e Donetsk, que fazem fronteira com a Rússia, são povoadas por uma população de maioria russa e com fortes movimentos de independência apoiados por Moscou. Mas também estão situadas numa área industrializada e das mais desenvolvidas do país, com vastos recursos minerais. Em diversas ocasiões, o governo de Kiev promoveu campanhas políticas e militares para abafar e combater esses movimentos.

O regime russo apoiou um plebiscito realizado em maio de 2014 nas duas províncias e passou a advertir Kiev sobre a garantia de independência. O governo ucraniano não reconheceu o resultado do plebiscito e manteve sua política de combate aos nacionalistas em Lugansk e Donetsk.

Ainda em 2021, Vladimir Putin advertiu que a adesão da Ucrânia à OTAN não seria tolerada por Moscou, que era preciso cessar a repressão do regime de Kiev e que a situação na região da fronteira entre os dois países estava se tornando insustentável.

 

Primeiras negociações

Em fevereiro de 2022, tropas russas invadiram a Ucrânia pelo Leste e pelo Norte, aproximando-se da capital, Kiev. Em abril daquele mesmo ano, a Turquia sediou as primeiras negociações diretas de paz entre russos e ucranianos, em Istambul.

Na ocasião, a Rússia deteve suas tropas, mas exigia que o governo ucraniano recuasse de sua intenção de se associar à OTAN, sem se opor à adesão do país vizinho à União Europeia. Além disso, Moscou propunha a independência das províncias de Lugansk e Donetski e a garantia do reconhecimento da Crimeia como território russo.

Segundo observadores internacionais que participaram da negociação de abril de 2022 (*), a delegação ucraniana tendia a aceitar a paz com base nas propostas apresentadas por Moscou.

No entanto, por interferência direta da Casa Branca e do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que deram garantias políticas e militares aos ucranianos para resistirem à invasão russa, as negociações foram suspensas e a guerra prosseguiu.

Papel da União Europeia

Desde o início do conflito, a União Europeia se colocou ao lado da Ucrânia, condenando a invasão russa. Além de patrocinar ajuda militar e humanitária, a UE impôs até aqui 16 pacotes com sanções econômicas contra a Rússia. Entre eles, o congelamento dos ativos financeiros de grupos empresariais russos em bancos europeus e a proibição da venda de gás e petróleo para os países da UE.

A guerra trouxe de volta à Europa a bandeira do “perigo russo”, um velho fetiche das elites europeias com o receio de uma expansão territorial da Rússia. Essa é a matriz da política da UE, que trabalhou desde o início do conflito para fortalecer política e militarmente o governo ucraniano, juntamente com Washington, por meio da OTAN.

A eleição de Donald Trump alterou o panorama internacional. A Casa Branca passou a propor abertamente o fim da guerra e a se aproximar de Moscou. Em troca da ajuda militar já concedida a Kiev durante anos, Trump conseguiu firmar um acordo de exploração das chamadas “terras raras” da Ucrânia, regiões ricas em minerais estratégicos.

Apesar de manter dirigentes europeus informados do andamento das tentativas de acordo de paz, o fato é que Trump barrou a participação direta da UE no processo de negociação.

 

O que querem os diversos atores

. Rússia – Vladimir Putin não pretende apenas um acordo de paz com a Ucrânia, que lhe assegure as regiões já conquistadas com a guerra. Quer também garantias de que não haverá tropas e equipamentos militares da OTAN em suas fronteiras. E isso só pode ser negociado com os EUA.

Como está em posição favorável nas frentes de batalha, Putin sabe que quanto mais tempo durarem as negociações, mais vantagens poderá obter. Por isso, não aceita negociar a partir de um cessar-fogo.

Depois das 16 sanções econômicas impostas pela cúpula da UE e pelas dificuldades em negociar petróleo e gás com os europeus, a Rússia revitalizou sua indústria militar e voltou sua economia para outros mercados, notadamente a Ásia, estreitando laços políticos e econômicos com a China.

. Ucrânia – Em desvantagem nas frentes de batalha, o governo de Volodymyr Zelenski quer um cessar-fogo de 30 dias, como condição para iniciar negociações de paz com a Rússia. Tempo suficiente para reorganizar suas tropas e até ampliar os apoios de países da UE em logística e equipamentos militares.

A intenção já manifestada por Kiev é de não ceder territórios ocupados pela Rússia. Mesmo que isso represente a entrada de tropas da União Europeia na Ucrânia para assegurar a integridade do território ucraniano.

. Estados Unidos da América – A insistência de Donald Trump em encerrar o conflito na Ucrânia tem a ver com o objetivo de dedicar suas atenções exclusivamente à disputa de influência econômica e militar global com a China.

Trump sabe que o conflito na Ucrânia não tem grande consequência para suas pretensões e procura se aproximar de Putin na tentativa de isolar a China.

. União Europeia – Os planos de recuperação econômica da UE têm como mote o investimento maciço em armas e equipamentos militares. Daí porque a postura abertamente anti-Rússia da cúpula conservadora da UE, o que esbarra nos propósitos da administração Trump.

. China e Brasil – A postura dos governos da China e do Brasil tem sido de apostar numa nova configuração econômica e política internacional, que abarque o chamado Sul Global como mercado em expansão. A China ainda mais, visto que estreitou laços econômicos com Moscou.

Daí porque Xi Jin Ping e Lula defendem o caminho da paz para o conflito na Ucrânia. Não interessa a quem pretende ampliar os negócios e o comércio internacional as limitações territoriais, financeiras e políticas impostas por um conflito militar.

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

Relacionados

plugins premium WordPress