Juízes que decidiram contra Trump são alvo de ataques a suas famílias

Uma pesquisa da agência Reuters apontou para um aumento alarmante de ameaças e assédio contra os familiares de juízes federais que tomaram decisões contrárias ao presidente dos EUA, Donald Trump, durante seu segundo mandato iniciado em 2025. Pelo menos 11 juízes tiveram seus parentes como alvo de intimidação, ataques pessoais e até mesmo ameaças de morte após emitir decisões que desagradam à nova administração.

Um dos casos mais sérios é o do juiz James Boasberg, que decidiu em abril que os responsáveis pela administração Trump poderiam ser punidos por ignorarem uma ordem judicial referente a deportações. Como reação, ocorreram manifestações de violência online e ameaças físicas. Elon Musk, bilionário e simpatizante do presidente, divulgou um conteúdo que distorcia as atividades da filha do juiz. Logo, seus seguidores começaram a exigir sua prisão, e alguns chegaram a solicitar a execução da família Boasberg.

O magistrado John McConnell enfrentou uma circunstância parecida ao considerar irregular o bloqueio de fundos federais realizado pelo presidente. A ativista de direita Laura Loomer compartilhou uma imagem da filha do juiz, que trabalhou no Departamento de Educação. Musk repostou essa imagem para seus mais de 219 milhões de seguidores. Essa ação resultou em mais de 600 telefonemas e e-mails hostis direcionados ao tribunal de Rhode Island, com diversas ameaças de morte.

 

Repercussões na democracia.

A campanha contra os juízes integra uma tática mais abrangente de coação, conforme afirmam especialistas consultados pela Reuters. Desde que voltou a ocupar a presidência, Trump e seus apoiadores têm criticado integrantes do Judiciário que se posicionam contra o fortalecimento de ações autoritárias, como a ampliação das prerrogativas do executivo e a desarticulação de órgãos federais. Desde janeiro, mais de 60 magistrados ou cortes de apelação refutaram propostas do governo.

“Intimidações direcionadas a magistrados e seus familiares constituem, em última análise, um risco ao governo constitucional. É tão direto quanto isso”, declarou o juiz Richard Sullivan, do Tribunal de Apelações, que lidera o comitê responsável pela segurança dos juízes federais.

Magistrados consultados pela Reuters — muitos deles de forma anônima expressam uma crescente apreensão em relação à sua segurança pessoal e à de seus entes queridos. Essa preocupação é intensificada pela disseminação de conteúdos difamatórios em plataformas de mídia social, como o X (anteriormente conhecido como Twitter), gerido por Musk, além de sites extremistas como Gateway Pundit e Patriots.win.

 

Intolerância, incitações à agressão e fake news

De fevereiro a abril de 2025, a Reuters registrou mais de 600 postagens em mídias sociais que atacavam parentes de magistrados. Desse total, pelo menos 70 solicitavam abertamente represálias físicas ou encarceramento. Um dos incidentes mais sérios envolveu publicações que insinuavam que a filha de Boasberg deveria ser “apresentada a integrantes do MS13“, uma notória gangue de El Salvador, e clamavam pela construção de forcas para punir a família.

O ato de “doxxingque consiste em divulgar informações pessoais como residência e local de trabalho — foi empregado como uma tática de intimidação. Em março, Boasberg decidiu interromper um processo de deportação com base em uma legislação do século XVIII que a Casa Branca utilizava para remover imigrantes com reivindicações infundadas. A resposta foi imediata: imagens e dados pessoais de sua filha foram amplamente compartilhados por Musk e Loomer.

A entidade onde a filha de Boasberg atuava, uma organização não governamental que fornece apoio legal a imigrantes com dificuldades financeiras, retirou seus dados do site. A família começou a ter proteção dos U.S. Marshals após receber ameaças.

 

Lamentáveis antecedentes.

Incidentes de agressão contra juízes têm registrado episódios marcantes na trajetória legal dos Estados Unidos. Em 2005, a juíza Joan Lefkow sofreu a perda do marido e da mãe, ambos assassinados por um réu insatisfeito. Em 2020, o filho da juíza Esther Salas foi fatalmente atingido por um ex-advogado em busca de retaliação. Não se trata de uma preocupação abstrata”, afirmou o ex-juiz David Levi, ressaltando o perigoso contexto que envolve os familiares dos magistrados.

A recente intensificação da situação gerou preocupações nas instituições. O Comitê Judicial do Congresso recebeu um requerimento formal para aumentar a proteção dos juízes. Durante uma conferência, a juíza da Suprema Corte, Ketanji Brown Jackson, declarou: “As ameaças e o assédio constituem ataques à nossa democracia.”

A pesquisa da Reuters revela que, desde o início do segundo mandato de Trump, os ataques ao sistema judiciário atingiram um novo nível, caracterizados pelo uso intensivo de mídias sociais, campanhas de descredibilização organizadas e esforços contínuos para intimidar juízes e seus parentes.

 

Reação da administração Trump 

A administração refuta a ideia de promover quaisquer atos de violência. Em uma declaração à Reuters, o porta-voz da Casa Branca, Harrison Fields, declarou: “O presidente Trump leva a sério qualquer ameaça à segurança — um líder que enfrentou duas tentativas de homicídio.” Fields ressaltou que a proteção de todos os cidadãos americanos é uma prioridade e que as ameaças serão devidamente apuradas e penalizadas.

Apesar de tudo, o presidente e certos integrantes do governo continuam a fazer declarações hostis em relação ao Judiciário. Em um evento recente, Trump afirmou: “Não podemos permitir que um pequeno grupo de juízes radicais de esquerda atrapalhe a ordem legal e assuma responsabilidades que são exclusivas do presidente dos Estados Unidos.”

A retórica ressoa entre simpatizantes e personalidades notórias, como Musk, que chegou a propor sanções severas para juízes e suas famílias. “Todos nós estamos aterrorizados com as possíveis consequências disso”, revelou um juiz federal em sigilo à Reuters.

 

Implicações para o futuro do sistema judiciário nos Estados Unidos.

Profissionais do Direito destacam a possibilidade de um efeito inibidor entre magistrados e aspirantes ao cargo. “É possível que indivíduos competentes optem por não assumir a função devido ao receio das repercussões”, afirmou Paul Grimm, da Universidade Duke.

A análise apresentada pela reportagem da Reuters aponta para uma deterioração alarmante da autonomia do Judiciário — um dos fundamentos do sistema democrático nos Estados Unidos em resposta à crescente pressão de um presidente que busca fortalecer seu controle por meio de táticas cada vez mais autoritárias. A coação de magistrados e seus parentes não é um episódio isolado, mas sim parece integrar uma abordagem deliberada para desestabilizar as instituições. (Foto: Reuters)

 

Com dados da Reuters

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