Belém presta?

(*) Glauco Alexander Lima    –  Belém do Pará, cidade localizada bem perto de onde a Amazônia encontra o Oceano Atlântico, encanta, fascina, apavora e assusta. Não precisa ser um grande apaixonado pela natureza e pela inventividade popular para se encantar com Belém. Também nem precisa morar em Oslo ou Aarhus para se assustar com os problemas de urbanização e crises humanitárias em Belém.

A capital do Pará parece ser a cidade certa no lugar errado. Erguida e expandida desordenadamente, num lugar inapropriado para a existência de um grande centro urbano. Mais de 40% do perímetro urbano de Belém ficam abaixo da cota 4 do nível do mar.
Quase todo o território do município é pantanoso e o ponto mais alto não chega a 20 metros. Belém fica numa região estuariana, é quase uma ilha fluvial, cercada pela bela Baía do Guajará, pelo Rio Guamá, e cortada por muito igarapés e córregos, que foram virando valas de esgoto a céu aberto com a explosão populacional.

Essa condição cria problemas terríveis para as populações do centro expandido, mas muito piores para o povo sem poder aquisitivo das periferias, as chamadas baixadas. Quando as marés sobem, se misturam com os rejeitos de lares e empresas, criando um drama que exige um investimento permanente de bilhões e bilhões de dólares ou euros em drenagem e macrodrenagem.
Mas isso, ao mesmo tempo em que é assustador, criou uma cidade engenhosa, criativa, bem-humorada, que convive com tudo isso numa originalidade que se reflete desde as estivas e casebres de madeira, até nas letras e melodias de seu techno-brega, uma junção do local com o universal.

A localização na esquina do Atlântico com a Amazônia faz com que Belém se beneficie dessa mistura de águas doces e salgadas, que oferecem espécies únicas de peixes, crustáceos, plantas, frutas, o que explica a cidade ter uma gastronomia que está tranquilamente no top 5 do mundo.

Belém é Brasil. E se o Brasil é um dos países mais desiguais economicamente no planeta, Belém é um dos mais bem acabados exemplares dessa desigualdade. Um grupo pequeno de ricos mega super ricos, uma classe média muito pequena e uma massa de mais de um milhão e duzentos mil pessoas vivendo ou sobrevivendo em condições que vão da pobreza, muita pobreza, ou mesmo na grande miséria sobre os alagados da cidade.

A região metropolitana da qual Belém faz parte, e é o principal centro de economia, política e cultura, tem quase três milhões de habitantes. Todos os municípios com grandes dificuldades estruturais e que acabam intensificando e amplificando os dramas da capital paraense.

O último boom econômico de Belém foi o chamado Ciclo da Borracha, que teve seu apogeu na virada do século dezenove para o vinte, quando gerou muita riqueza para Belém e região. Mas, como sempre, essa riqueza seguiu a lógica capitalista brasileira de concentração de renda sem preocupações com inclusão humana.

Mesmo sendo a capital do estado onde está a província mineral de Carajás, de onde são tiradas todo dia toneladas e toneladas de minério de alta pureza, e deixado um buraco imenso desde os anos 1980, nem isso serviu ou serve para alavancar o progresso urbano e social em Belém.

A cidade permanece parada no tempo. E uma das muitas comprovações disso é o sistema de transporte coletivo, que ainda vive no mesmo formato da primeira metade do século 20, sem absorver as inovações que já são comuns em cidades do mesmo porte.

Belém é quente dias e noites, todos os dias do ano. Quente e úmida, muito úmida, e talvez isso explique tantas áreas nas quais é única. As artes são vigorosas, os corpos suados nas festas de aparelhagem, a musicalidade, a literatura, a grande universidade pública à beira de um rio gigante.

A cidade surpreende e alimenta sempre uma esperança de que amanhã pode ser menos ruim.
Belém é assim, o lugar de nascimento de uma das maiores denominações neopentecostais do Brasil. É crente. É quente. Todo ano faz a maior procissão católica do mundo, e a faz com fervorosa fé religiosa e com festa saborosa, profana, poucas vezes encontrada no mundo.

A realização de uma conferência mundial sobre mudanças climáticas, numa cidade assim, é uma ideia genial. O lugar é ao mesmo tempo case de sucesso e de insucesso, é uma provocação, um espaço de reflexão autoinstrutivo sobre conciliação de exploração econômica, progresso social equilibrado e respeito pelas forças ambientais.

Belém presta, sim! Com seus problemas, seus erros, a perversidade de suas elites, conhecida muito bem em episódios como quando abafou uma revolução popular chamada Cabanagem, com seus equívocos, com sua resiliência cabocla, com sua vivência improvável, é o lugar ideal para se discutir a grande questão da humanidade: existirmos, a que será que se destina?

 

(*)  Glauco Alexander Lima  – Operário do setor de comunicação

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