Por Henrique Acker – Nos últimos dias, o noticiário está recheado com dados e análises dos três anos da invasão russa da Ucrânia. Números nem sempre confiáveis sobre mortos e feridos de lado a lado, polêmica sobre quem forneceu mais recursos e armas à Ucrânia, além do andamento de uma provável negociação de paz, enchem as telas e as páginas dos jornais.
No entanto, o que se percebe da peregrinação de líderes europeus a Washington e das conversas de Donald Trump com Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, é que o conflito virou um verdadeiro “quem dá mais”, em troca do aval dos EUA para a paz.
Depois de Zelensky oferecer parte das “terras raras” da Ucrânia a Trump, em troca de um acordo de paz e de garantias de segurança aceitáveis por Kiev, foi a vez de Putin sinalizar com a possibilidade de um acordo com os EUA de exploração de metais nobres em território ocupado por tropas russas na Ucrânia.
Feira livre
Terras raras são um grupo de 17 metais usados para fazer ímãs que transformam energia em movimento para veículos elétricos, celulares, sistemas de mísseis e outros equipamentos eletrônicos.
País de muitos recursos naturais, tanto no solo (cereais) quanto no subsolo (minérios), a Ucrânia está prestes a firmar o acordo com os EUA para a exploração das suas terras raras, sob as quais há toneladas de metais nobres.
Para não ficar atrás, a Rússia convidou o novo parceiro de Washington a um acordo para a exploração das suas terras raras. “Os americanos precisam de metais de terras raras. Temos muitos deles”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
Segundo dados do U.S. Geological Survey, a Rússia tem a quinta maior reserva mundial de metais de terras raras, depois da China, Brasil, Índia e Austrália.
“Vender o país”
Trump quer um acordo de paz em que Kiev se comprometa a garantir às empresas americanas o direito de exploração de 50% das reservas do país. O recado é claro: os ucranianos terão que arcar com os custos com armas e munições fornecidas pelos EUA durante os três anos de guerra.
Zelensky chegou a rejeitar essa proposta por duas vezes nas últimas semanas, afirmando que corresponderia a “vender o país”. No entanto, a vice-primeira-ministra para a integração europeia e euro-atlântica da Ucrânia, Olga Stefanishyna, afirmou em 24 de fevereiro na Rede X que os termos do acordo estariam “quase finalizados”. Zelensky deve desembarcar em Washington na sexta-feira, 28 de fevereiro, para firmar o acordo.
Putin contra-atacou no mesmo dia, oferecendo sociedade a empresas estadunidenses na exploração do subsolo dos territórios conquistados na Ucrânia: “Nós estamos prontos para atrair parceiros internacionais para os nossos territórios históricos (Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporijia), que retornaram à Federação Russa”, disse Putin.
Tesouro disputado
No território do Donbass, no leste da Ucrânia, está localizado o “Campo de Shevchenko”, um dos maiores depósitos de lítio do mundo. O lítio é um elemento-chave para a construção das baterias elétricas que estão substituindo motores de combustão de veículos.
O outro tesouro é o titânio, que combina leveza e resistência em tecnologias utilizadas em equipamentos militares e civis.
A lista de depósitos ucranianos valiosos é grande: o território do país possui ainda grafite, urânio, manganês, zinco, cobalto, além dos tradicionais ferro e carvão.
Não se sabe com certeza o valor total dessa riqueza. As estimativas variam de 15 a 150 trilhões de dólares. As maiores concentrações estão em território ocupado pela Rússia.
Europa não foi convidada
Ex-aliada preferencial dos EUA e com a maioria de seus países-membros filiados à OTAN, a União Europeia foi colocada de lado nas negociações de paz na Ucrânia. Os dirigentes da UE sentem-se desprestigiados por Donald Trump e correm para ter direito a um pedaço do bolo da festa de encerramento do conflito.
Enquanto ucranianos e russos avançam em negociações diretas com os EUA, líderes da Europa tentam cavar uma participação nos acordos de paz. Depois da visita de Emmanuel Macron, aguarda-se em Washington a presença do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer.
Vale dizer que a União Europeia foi a maior doadora à Ucrânia de recursos em ajuda humanitária, compra de armas e munições nos três anos de guerra. Foram cerca de 135 bilhões de euros, de acordo com dados do Conselho Europeu. O discurso oficial da UE até aqui tem sido de defesa incondicional da Ucrânia, como parte agredida no conflito.
Hipocrisia europeia
No entanto, o mais recente relatório do Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo (Crea) revela que, só em 2024, terceiro ano da invasão da Ucrânia, a UE comprou perto de 22 bilhões de euros em combustíveis fósseis russos e alocou cerca de 19 bilhões para ajuda a Kiev.
“A compra de combustíveis fósseis russos é, claramente, semelhante a enviar ajuda financeira ao Kremlin e permitir sua invasão”, afirma Vaibhav Raghunandan, analista do Crea.
Uma das manobras utilizadas por Moscou passa por contornar as sanções transportando combustíveis através de uma “frota fantasma” de navios-tanque antigos e subsegurados.
A Europa reduziu as importações de gás russo canalizado desde o início da guerra, mas continua a compensar o consumo com transporte em navios com gás liquefeito, proveniente da Rússia.
Pelo andamento das negociações, o acordo de paz tornou-se um grande negócio envolvendo potências e empresas de tecnologia de ponta interessadas em matérias-primas. A parte mais frágil dessa negociação é a própria Ucrânia.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes:
Sobre terras raras
Sobre a venda de petróleo e gás russo para a Europa nos três anos de guerra
Ajuda financeira da UE à Ucrânia nos três anos de guerra