Por Henrique Acker – Antes mesmo da posse de Donald Trump para o seu segundo mandato como presidente dos EUA, a política internacional é sacudida por acontecimentos que sinalizam a crise dos regimes políticos que varrem o Planeta.
Não há nenhum sinal de avanço para um cessar-fogo na guerra entre Rússia e Ucrânia. O mesmo pode-se dizer do massacre promovido por Israel contra o povo palestino em Gaza. Analistas apostam no poder de Trump para interromper os conflitos na Europa e no Oriente Médio, mas esquecem que há interesses pesados em jogo.
Com a interrupção do gasoduto russo que cruza a Ucrânia, os EUA passam a vender metade do gás consumido pelos países da Europa. No Oriente Médio, o governo sionista de Benjamin Netanyahu cumpre o papel de marionete dos interesses dos EUA na região. Nos dois conflitos, quem mais fatura é a indústria armamentista estadunidense.
Duas faces da mesma moeda
As crises políticas não se limitam ao Leste Europeu e ao Oriente Médio. Estão por todo lado, em todo o planeta, opondo o modelo econômico do ultraconcentrado capital financeiro – com reforço das holdings e empresas de alta tecnologia (big techs) – ao projeto de produção e comercialização de mercadorias em larga escala, através da exploração intensiva de mão-de-obra.
De um lado, os EUA e a União Europeia; de outro, China, Rússia e demais países que se recusam a aceitar a hegemonia estadunidense. Esse embate, que opõe potências mundiais e regionais, produz batalhas nos cinco continentes.
O conflito vai se afunilando com a demolição de partidos e representantes de forças moderadas, que ainda tentam encontrar uma saída negociada para a polarização econômica e política. A ONU, desmoralizada pelas grandes potências, atravessa uma crise sem precedentes como força de mediação de conflitos.
Agora mesmo, o mundo assiste a três exemplos desta polarização, para os quais não há solução negociada à vista.
Coréia, Venezuela e Moçambique
Na Coreia do Sul, o governo de direita tentou impor um fechamento do regime, com Lei Marcial e intervenção militar, para silenciar o parlamento com maioria de oposição e aplicar um pacote de medidas econômicas impopulares.
Apesar do fracasso da tentativa golpista e da ordem de prisão da Justiça contra o presidente, forças militares impedem que Yoon Suk-yeol seja detido. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, esteve no país para mediar uma solução do conflito.
Na Venezuela, a posse de Nicolás Maduro para seu terceiro mandato presidencial, marcada para 15 de janeiro, pode ter a reprise da novela Juan Guaidó. O candidato de oposição, Edmundo Gonzalez, promete entrar no país e ser empossado.
A Comissão Nacional Eleitoral não apresentou as atas de votação e as cópias divulgadas pela oposição também não parecem confiáveis para sustentar provas da vitória. Para obter apoio ao novo “governo paralelo” da oposição de extrema-direita, Gonzalez esteve com Joe Biden.
O pastor evangélico Venâncio Mondlane, candidato da oposição de direita mais votado em Moçambique, anunciou que desembarcará no país em 9 de janeiro, data da posse de Daniel Chapo, da Frelimo. Ele contesta o resultado da apuração eleitoral de outubro de 2024, que deu maioria a Chapo.
As manifestações de protesto convocadas por Mondlane degeneraram em saques e depredações. A repressão policial ordenada pelo regime, que redundou em mortes e prisões, só fez acirrar ainda mais o clima de descontentamento popular no país.
Beco sem saída
A crise política é a expressão de uma disputa pelo rumo a seguir dentro da lógica excludente do “mercado”, cada vez mais concentrado. Não por acaso, os sistemas de dominação e representação política em vigor beiram a falência, cada vez mais distantes dos povos e a serviço dos interesses privados de grandes grupos econômicos.
Não por acaso, o apelo de um bilionário pela libertação de um condenado de extrema-direita na Inglaterra tem mais repercussão do que um alerta do secretário-geral da ONU sobre os perigos da crise climática.
A União Europeia assiste a uma perigosa aproximação da direita tradicional dos ideais semelhantes aos de partidos de extrema-direita, como a repressão à imigração.
Em fevereiro, haverá eleições gerais na Alemanha, e as pesquisas apontam o conservador CDU em primeiro e a AfD, partido neonazista, em segundo nas preferências do eleitorado.
Da administração Trump o que se sabe é que haverá aumento de taxas de importação de produtos estrangeiros e uma nova onda de restrições aos imigrantes.
Não há no horizonte qualquer indício de um novo projeto para enfrentar o capitalismo financeirizado. O que restou da esquerda não é capaz de oferecer à juventude e aos povos a possibilidade de sonhar com uma nova sociedade, baseada em formas de poder que valorizem relações de colaboração, participação popular, transparência e uma vida digna. (Foto: Reuters)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)