Clima de incerteza paira sobre o futuro da Síria

Por Henrique Acker    –   Apesar do tom moderado adotado por Abu Mohammad al-Jolani, líder do Hayat Tahrir Al-Sham (HTS) — grupo formado a partir de um antigo afiliado da Al Qaeda — e pelo primeiro-ministro nomeado para realizar a transição de governo na Síria, Mohammad al-Bashir, há grande incerteza sobre os caminhos a serem adotados pelas forças que tomaram o poder no país.

Ao contrário do desejo expressado por líderes dos EUA e da União Europeia, o ambiente na Síria não aponta nem para uma situação de paz e nem para a instauração de uma democracia representativa. A julgar pela composição das forças que conquistaram o poder (ver mapa), a Síria está longe dos sonhos das potências ocidentais.

 

Tom “moderado”

Numa entrevista à estação de TV Al-Jazeera (Qatar), al-Bashir afirmou que “chegou o momento deste povo usufruir de estabilidade e de calma, de ser cuidado e de saber que o seu Governo está aqui para lhe prestar os serviços de que necessita”.

Dias antes, al-Jolani concedia entrevista à CNN Internacional. Mas a imagem exibia uma bandeira da Síria e uma bandeira branca com o escrito da profissão-de-fé islâmica: “só existe uma divindade, que é Deus, e o seu mensageiro é Maomé”. Trata-se de uma mensagem de regimes tipicamente teocráticos.

Muitos analistas temem que a falta de coesão e a existência de grupos étnicos possam arrastar a Síria para uma situação de conflito permanente, semelhante ao que ocorre na Líbia.

 

 

Turquia teve papel determinante

São muitos os atores e os interesses envolvidos na queda do governo de Bashar al-Assad. Talvez o menos abordado e de maior influência seja o da Turquia, país que faz fronteira ao norte com o território sírio.

O Oriente Médio foi, durante séculos, parte dos domínios do império turco-otomano. Na Turquia atual, um dos grandes problemas é a oposição da minoria curda, povo que reivindica sua pátria na faixa de território localizado entre o sul da Turquia e o norte da Síria.

Em sua maioria, os curdos têm como referência o PKK, partido nacionalista de esquerda, tratado pelo regime de Ancara como grupo terrorista. Por isso, o governo de Recep Tayyip Erdoğan tinha todo o interesse na queda de Assad, que tolerava a presença dos curdos na fronteira entre os dois países.

Foi com o objetivo de acuar e derrotar os curdos que a Turquia treinou e armou o HTS e outros grupos islâmicos sunitas que uniram-se para derrubar o governo sírio.

 

Irã aponta o dedo também para os EUA e Israel 

“Não há dúvidas de que o que aconteceu na Síria é o produto de um plano conjunto americano e sionista”. Foi o que declarou o líder supremo do Irã, o Ayatollah Ali Khamenei, de acordo com a Agência de Notícias Tasnim, de seu país. Khamenei também lançou desconfianças sobre a postura do governo da Turquia.

Segundo o líder religioso iraniano, “o principal conspirador, o cérebro e o centro de comando estão na América e no regime sionista”. “Temos provas disso. Estas provas não deixam margem para dúvidas.”

Aproveitando-se da instabilidade política na região, Israel bombardeou 480 alvos na Síria desde 7 de dezembro.  Em nota, as IDF reconheceram que “Nas últimas 48 horas, o [exército israelense] atacou a maior parte dos arsenais de armas estratégicas na Síria, evitando que caíssem nas mãos de elementos terroristas”.

“Não permitiremos que uma entidade terrorista islâmica extrema aja contra Israel além de sua fronteira, colocando seus cidadãos em risco”, disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em uma mensagem de vídeo na terça-feira. Entre os alvos, dizem as IDF, estão 15 navios, baterias anti-aéreas e fábricas de armamento.

 

 

Mosaico de grupos étnicos

Num país em que não há uma maioria étnica, a única possibilidade de governar é montar uma aliança de forças que represente a todos ou a uma maioria. Esse sempre foi o desafio dos governos sírios, e parece ser o do governo que emergirá da coalisão  que derrubou Bashar al-Assad.

Nos últimos tempos, Assad tentou se afastar do chamado Eixo de Resistência xiita, comandado pelo Irã, e aproximar-se dos países árabes de governos sunitas. Isso não o fortaleceu internamente, mas lançou desconfianças sobre seu governo junto ao Irã e à Rússia.

O exército regular sírio já enfrentava graves problemas, com o atraso dos soldos e a dificuldade de repor armamento. Daí a decisão de baixar armas e não enfrentar a ofensiva dos grupos comandados pelo HTS, que levou à derrubada de Assad.

A desconfiança e a fragilidade do governo levaram a Rússia e o Irã – aliados de Assad – a não se envolverem no conflito em defesa do regime. Nem mesmo os destacamentos do Hezbollah, sob o fogo de Israel, foram chamados a intervir. Já a Rússia parece mais interessada em preservar suas bases e equipamentos militares na costa do Mediterrâneo.

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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Fontes:

 

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