Por Layla Shasta – Muita conexão com a internet, pouca conexão entre si. Um estudo feito com mais de 70 duplas de pais e filhos mostrou que crianças em idade pré-escolar que usam celulares e tablets com frequência têm menor quantidade e qualidade de interação com os pais em relação aos pequenos que não apresentam esse hábito. A pesquisa é da Universidade Eötvös Loránd (ELTE), na Hungria.
Os pesquisadores consideraram uma criança como usuária de dispositivos móveis se ela usasse o aparelho há pelo menos seis meses e passasse no mínimo duas horas por semana diante dele.
Para observar o nível de entrosamento entre pais e filhos, os pesquisadores usaram duas formas de avaliação: um questionário e uma pesquisa no laboratório. No primeiro, os pais descreveram os hábitos relacionados ao uso de celulares e tablets e como era o tempo que passavam juntos.
Já no laboratório, a qualidade da interação foi medida a partir de duas sessões de brincadeiras: na primeira, pais e filhos podiam escolher brincar com qualquer um dos diversos jogos disponibilizados pela equipe.
Na segunda etapa, eles participaram de um jogo específico, organizado pelos pesquisadores. As duas atividades tiveram duração de cinco minutos.
Na brincadeira sugerida pelos cientistas, cada dupla deveria desenhar em um quadro com dois botões e uma tela. Segundo os autores, o botão esquerdo controlava o movimento vertical, enquanto o direito controlava o movimento horizontal. Girar simultaneamente os dois botões resultava em uma linha diagonal.
Cada integrante da família foi instruído a controlar um botão (por exemplo: a criança ficava com o direito, enquanto o pai manuseava o esquerdo). A ideia era que desenhassem, juntos, um pinheiro ou uma casa, o que demandava movimentos sincronizados. Os pesquisadores analisaram vídeos dessa tarefa para tentar identificar indicadores da qualidade do relacionamento entre pais e filhos.
Para isso, eles destacaram cinco aspectos para caracterizar as interações: Interatividade (por exemplo, a criança inicia a interação e o pai responde); Controle parental (o pai controla física ou verbalmente a criança); Atenção com o parceiro (eles olham um para o outro); Colaboração (eles trabalham juntos na tarefa); Diversão compartilhada (pais e filhos rindo juntos).
A partir das imagens, os pesquisadores observaram uma diferença marcante: as interações entre as crianças usuárias de dispositivos móveis e seus pais durante as brincadeiras eram de pior qualidade. “Havia menos interatividade, menos atenção mútua e menos controle parental”, resumiu Krisztina Liszkai-Peres, principal autora do estudo, em comunicado à imprensa.
Já a análise do questionário mostrou outro importante aspecto sobre as relações familiares em tempos de alta conectividade: as atividades conjuntas da vida real ajudam a evitar que a utilização do celular pela criança se torne problemática.
Mas, atenção: atividades digitais compartilhadas não se mostraram benéficas. Uma das hipóteses é de que elas não proporcionam as situações sociais essenciais para o desenvolvimento de laços mais fortes e de diversas competências que uma criança necessita, como a autorregulação das emoções.
O psiquiatra João Pedro Wanderley, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, ressalta que a presença dos pais faz uma grande diferença ao longo do neurodesenvolvimento das crianças, a partir da promoção a estímulos, socialização e orientações. “É fundamental a presença física, o olhar, o cuidado, o toque e o carinho dos pais dentro do desenvolvimento daquela personalidade, da autorregulação e, sobretudo, do estímulo cognitivo. Essas são ferramentas fundamentais no desenvolvimento e na educação da criança”, explica.
Os cientistas da ELTE notaram, ainda, que os meninos e as meninas que usam frequentemente dispositivos móveis tendem a ter pais que também se envolvem em níveis mais elevados com as mídias digitais, levando a um declínio geral nas atividades entre adultos e crianças. A consequência disso seria um prejuízo no relacionamento familiar.
No entanto, eles destacam que o caminho pode ser o contrário: relações mais pobres entre pais e filhos podem fazer com que ambos valorizem mais as telas.
Menos likes, mais conversas
Wanderley explica que o estímulo promovido pelo uso de telas é chamado de “distração passiva”, um estado de abstração em que uma pessoa está desatenta ou desconectada do que está acontecendo ao seu redor. Segundo ele, quanto mais cedo esse hábito se instalar e quanto maior o tempo em frente às telas, maior o risco de os pequenos apresentarem dificuldades na interação social, atraso no desenvolvimento da fala e problemas de vínculo com a família.
Para manter um bom entrosamento, os pesquisadores da ELTE recomendam que pais se envolvam na maior quantidade possível de atividades sem tela com seus filhos.
“É importante notar que o uso de telefones celulares não é uma coisa má em si. É mais importante que, mesmo que as crianças utilizem esse dispositivo, elas tenham tempo suficiente para outras atividades não digitais, como exercícios, sono e, como mostra a pesquisa, o tempo em família sem tela”, ponderou Krisztina.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) oferece instruções sobre a saúde de crianças e adolescentes na era digital. A entidade desaconselha que bebês sejam expostos a telas, por exemplo. Depois dos 2 anos, há limite de tempo por faixa etária. As orientações da SBP incluem:
Evitar a exposição de crianças menores de 2 anos às telas, sem necessidade;
Crianças com idades entre 2 e 5 anos: limitar o tempo de telas ao máximo de 1 hora/dia;
Crianças com idades entre 6 e 10 anos: limitar o tempo de telas ao máximo de 1-2 horas/dia;
Adolescentes com idades entre 11 e 18 anos: limitar o tempo de telas e jogos de videogames a 2-3 horas/dia;
Oferecer alternativas para atividades esportivas, exercícios ao ar livre ou em contato direto com a natureza, sempre com supervisão responsável. (Foto: Reprodução)