Henrique Acker (correspondente internacional) – O Norte de Portugal amanheceu coberto por fumaça na segunda-feira (16/9). Incêndios em áreas rurais e próximas de zonas urbanas são comuns no Verão português. Como consequência, um bombeiro morreu, 22 ficaram feridas e 70 desalojadas. O trânsito em estradas que cortam a região foi interrompido e até a circulação de trens foi afetada.
Quando redigia esta matéria havia 92 ocorrências registradas, com 36 incêndios ainda em atividade, no distrito (estado) de Aveiro. Os mais fortes nos municípios de Albergaria a Velha, Oliveira de Azeméis, Sever do Vouga, além de Cabeceira de Bastos e Baião.
Em 24 anos do levantamento de dados da União Europeia sobre o acumulado anual de área queimada em incêndios florestais, Portugal ocupou sempre uma das cinco primeiras posições comparativas em 11 ocasiões, até o ano de 2022. É o Estado-membro com mais área queimada dos 27 países da UE. Os países do Sul da Europa são os que mais sofrem com incêndios florestais nesta época do ano.
Ventos fortes e eucaliptos
Há dois agravantes que colaboram para a incidência e propagação de incêndios florestais em Portugal: ventos fortes (vindos do Oceano Atlântico) e regiões inteiras reflorestadas com eucalipto, espécie de grande capacidade de combustão. Cerca de 30% de toda a cobertura florestal portuguesa é de eucaliptos.
“Existe há algumas décadas um predomínio total da pasta de celulose sobre outros setores da indústria florestal, graças a uma sequência de governos responsáveis por uma legislação muito favorável à proliferação do eucalipto”, já alertava em 2017 à BBC João Camargo, doutorando em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável pela Universidade de Lisboa.
Em 2022, as vendas da indústria papeleira (pasta, papel e cartão) aproximaram-se dos 2,9 bilhões de euros, o equivalente a 1,3% do PIB de Portugal.
Causas variadas
De acordo com dados de 2022/2023, os mais recentes analisados e divulgados pelo Relatório de Estado do Ambiente (REA), do total de 10.390 incêndios rurais ocorridos no ano de 2022, 10.052 foram investigados e têm o processo de averiguação de causas concluído (97% do número total de incêndios, responsáveis por quase 100% da área total queimada).
A investigação conduziu à atribuição de causa para 6 287 incêndios (63% das ocorrências, responsáveis por 91% da área total queimada).
Causas dos incêndios rurais investigados pela GNR/SEPNA, em 2022 (Fonte: ICNF, 2023)
As causas de incêndio mais frequentes foram o “Incendiarismo – Imputáveis” (28%) e as “Queimadas de sobrantes florestais ou agrícolas” (19%). Estas últimas, em conjunto com as várias tipologias de queimas e queimadas, representam 42% do total das causas apuradas. Os reacendimentos correspondem a 8% do total das causas apuradas.
As alterações climáticas do Planeta, com o aumento da temperatura ambiente no Verão e a baixa umidade, propiciam as condições ideais para a propagação de chamas em áreas de matas. As regiões mais altas do país também estão expostas, justamente por conta do declive das montanhas, o que facilita o avanço do fogo morro acima.
Brasil vive onda de crimes ambientais
Apesar da existência de incêndios criminosos, Portugal e outros países da Europa sofrem bem menos que o Brasil neste quesito. De acordo com investigadores e cientistas brasileiros, grande parte dos incêndios em áreas florestais é resultado de ação intencional, para desmatar, garimpar ou até expulsar comunidades tradicionais.
Segundo estudo publicado pelo Instituto Igarapé, o crime ambiental é a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo, e movimenta até US$ 280 bilhões por ano.
O estudo detalha como o ecossistema criminoso opera na cadeia produtiva do ouro, da madeira e da pecuária – três grandes razões do desmatamento na Amazônia. o relatório também examina como as ferramentas digitais estão facilitando a grilagem de terras e lavagem de dinheiro na região amazônica.
Polícia Federal brasileira investiga incêndios criminosos
Atualmente, cinquenta e dois inquéritos na Polícia Federal investigam a suspeita de queimadas criminosas. Em São Paulo, a PF apura a autoria e se os incêndios estão ligados a outros crimes, como lavagem de dinheiro e organização criminosa. Os inquéritos também abrangem as queimadas na Amazônia, no Pantanal e até em Brasília, onde o fogo atingiu a Floresta Nacional.
“O que está acontecendo neste momento é que o clima extremo encontrou o crime extremo, e esse crime continua atuando impunemente, principalmente na Amazônia. Essa impunidade ajuda a riscar o fósforo e a tudo isso que a gente está passando no Brasil hoje”, conclui Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Para o diretor de Meio Ambiente da Polícia Federal, Humberto Freire, a punição para o crime ambiental deveria ser maior. A pena para quem desmata e para incêndios florestais é de 2 a 4 anos de prisão. No caso de garimpo ilegal, a pena é menor: 6 meses a 1 ano.
“A gente tem em nível mundial, não só no Brasil, legislações que tratam o crime ambiental como algo menor, mais simples e que não tem consequências graves, com penas baixas, sem ferramentas adequadas de investigação”, afirma Freire.
Crimes ambientais na Amazônia
Mais de 170 pessoas foram presas no Amazonas por crimes ambientais em 2024. O número foi divulgado, na sexta-feira (6/9), pela Secretária de Segurança Pública (SSP-AM) no balanço das ações da Operação da Tamoiotatá, que combate os crimes ambientais no estado.
Segundo o órgão, no período de 30 de abril a 5 de setembro foram feitas, ao todo, 174 prisões, pela Polícia Militar do Amazonas (PMAM) e Polícia Civil do Amazonas (PC-AM).
De acordo com dados do programada BDQueimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), agosto de 2024 registrou 38.266 focos de queimada na Amazônia, o maior número desde 2005, quando foram contabilizados 63.764 focos. (Foto: Nuno André Ferreira/Lusa)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes:
Portugal
Brasil