Estudo publicado em The Lancet Infectious Diseases revela ainda que a eficácia do imunizante foi observada por até cinco anos após a aplicação
O ensaio clínico de fase 3 da vacina da dengue de dose única desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos revela uma proteção de 67,3% contra a infecção e de 89% contra casos graves e com sinais de alarme mesmo após 3,7 anos da aplicação. É o que mostram os dados mais atualizados dos estudos recém-publicados na revista científica The Lancet Infectious Diseases.
Os voluntários do estudo serão acompanhados ainda até completarem cinco anos da vacinação. A expectativa do instituto paulista é submeter um pedido de aprovação do uso da vacina à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até o fim deste ano.
Nos testes, 16.235 voluntários, com idades de 2 a 59 anos, foram divididos entre um grupo de vacinados e outro que recebeu placebo, sem saberem em qual cada um foi inserido, entre 2016 e 2019. No início deste ano, os pesquisadores já haviam publicado no periódico The New England Journal of Medicine um acompanhamento inicial de dois anos da aplicação.
Naquele período, o imunizante reduziu em 79,6% o risco de um diagnóstico de dengue. A eficácia foi ainda mais alta entre aqueles com histórico prévio da doença, de 89,2%, o que é importante já que o quadro de reinfecção costuma ser mais grave.
Agora, o monitoramento mais longo dos voluntários, até julho de 2021, de em média 3,7 anos depois da vacinação, mostrou que a eficácia contra a infecção caiu, como ocorre geralmente com os imunizantes, porém se manteve elevada, em 67,3%.
“É esperado de qualquer vacina que os anticorpos caiam com o tempo, o que não significa que o imunizante deixe de proteger contra a doença de maneira significativa. Trata-se de uma resposta natural do sistema imune, e a queda foi dentro do esperado para o tempo do estudo”, diz a diretora médica do Butantan, Fernanda Boulos, em comunicado.
Além disso, com o tempo mais longo, foi possível constatar uma redução de 89% nos casos de dengue grave e com sinais de alarme. A dengue com sinais de alarme ocorre quando o paciente evolui de sintomas comuns, como apenas febre e dores no corpo, para manifestações de maior atenção, como queixas abdominais intensas e contínuas, sangramento de mucosas, alteração do estado de consciência, entre outros sinais que indicam uma piora do quadro.
Já a dengue grave é um estágio ainda mais delicado, que passa a envolver choque ou dificuldade respiratória pelo extravasamento grave de plasma no sangue, sangramento intenso ou comprometimento severo de órgãos. As classificações fazem parte de uma terminologia da Organização Mundial da Saúde (OMS) para auxiliar o diagnóstico e manejo da doença.
Nos testes, o imunizante também foi considerado seguro, com queixas de efeitos colaterais em quantidade semelhante entre o grupo que recebeu a vacina e o placebo. O instituto diz ainda que “não foram detectadas preocupações adicionais de segurança”, observação importante já que com uma dose anterior, a Dengavxia, da Sanofi, descobriu-se que a vacina elevava o risco de casos graves em pacientes sem histórico de infecção prévia.
O imunizante do Butantan é tetravalente, ou seja, foi desenvolvida para conferir proteção para os quatro sorotipos da dengue: o DENV-1, o DENV-2, o DENV-3 e o DENV-4. No entanto, durante o período do estudo não foram detectados casos dos tipos DENV-3 e DENV-4, logo não há como estimar a proteção contra essas linhagens específicas. Para a DENV-1 e DENV-2, que são mais comuns no Brasil, a eficácia contra a infecção foi de 75,8% e 59,7%, respectivamente.
Os números mostram que o nível de proteção da dose única desenvolvida no Brasil é semelhante àquele observado com a vacina de duas doses da Takeda, farmacêutica japonesa. O imunizante, chamado de Qdenga, foi aprovado pela Anvisa no ano passado e faz parte da campanha do Ministério da Saúde, inédita no país e no mundo.
Nos 12 meses após completar o esquema vacinal, a Qdenga demonstrou uma eficácia de 80,2% para evitar casos de dengue e de 90,4% para prevenir hospitalizações, segundo dados publicados na revista científica The Lancet. O acompanhamento mais longo, de 4,5 anos, publicado no periódico The Lancet Global Health neste ano, mostrou que a eficácia caiu para 61,2% para evitar a infecção e 84,1% para casos graves, mas permaneceu alta. A dose também foi considerada segura.
Os estudos apontam eficácias semelhantes entre ambas as estratégias vacinais, já que o do Butantan depois de 3,7 anos conferiu uma proteção de 67,3% para infecção e de 89% contra casos graves. Os testes, porém, têm suas particularidades – enquanto a vacina do Butantan foi avaliada apenas no Brasil, a da Takeda envolveu também participantes da Colômbia, da República Dominicana, da Nicarágua, do Panamá, das Filipinas, do Sri Lanka e da Tailândia, todos países endêmicos para a dengue.
Em relação ao aval da dose do Butantan no Brasil, em fevereiro a Anvisa disse que “irá utilizar todas as estratégias possíveis para apoiar a ampliação do acesso rápido à vacina” e que, para isso, adotará um procedimento de submissão contínua para avaliar o dossiê técnico com os dados e demais requisitos.
“Esse modelo foi criado pela Anvisa durante a pandemia de Covid-19 e permite que o laboratório apresente dados e documentos em etapas, à medida que o trabalho de pesquisa e desenvolvimento vai sendo realizado”, disse a agência reguladora em nota na época.
O Butantan trabalha com a expectativa de submeter o pedido com todos os dados para a Anvisa ainda no segundo semestre deste ano, para que uma possível aprovação seja concedida em 2025. Caso a dose receba o sinal verde, o imunizante poderá ser incorporado ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) pelo Ministério da Saúde e ampliar de forma considerável a oferta da proteção no país.
Isso porque, para este ano, por exemplo, a Takeda conseguiu fornecer somente 6,6 milhões de doses para o governo brasileiro, o máximo possível devido à sua capacidade de produção. A estratégia é importante especialmente em meio à alta histórica da doença. Segundo o último informe da Sala Nacional de Arboviroses, do Ministério da Saúde, o Brasil teve 6,4 milhões de casos de dengue em 2024 até o dia 3 de agosto, mais de três vezes o acumulado no pior ano da série histórica até então, 2015, quando foram cerca de 1,7 milhão de infecções.
O mesmo é observado em relação às mortes: até agora, 2024 já contabiliza 4.987 vítimas fatais, mais que o dobro das 1.094 registradas no ano passado, quando o país havia batido o recorde.
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