Liga Camponesa de Mulheres: quatro décadas que mudaram o campo

Bia Cardoso –  O Movimento de Mulheres Camponesas completa 40 anos de luta, que foram celebrados nesta segunda-feira (12), em sessão solene no Congresso Nacional. Uma trajetória que vai além de um simples número. Essa história é marcada por transformações significativas que refletem a força, a determinação e a coragem dessas mulheres que, ao longo de décadas, se uniram para reivindicar direitos e construir um futuro mais justo.

Para entender melhor o que essa luta representa de fato, basta voltar no tempo. Era década de 60. Dona Maria de Lurdes queria estudar. Ela lembra que até chorou quando a tiraram da escola, mas, nada pode fazer porque a palavra de mulher não tinha muito valor. A menina, que da escola foi apartada, replicaria o destino de muitas mulheres que, à época viviam no campo, longe da escolarização. Mas rompeu depois que entendeu.

 

O começo da luta

Criadas na década de 50, as ligas camponesas foram um movimento de trabalhadores rurais que teve início em Pernambuco e se estendeu a outras regiões do país como o Pará , onde o movimento de posseiros começou a se organizar e ganhar força. Todavia, é fundamental distinguir a luta pela terra da luta pela reforma agrária. Primeiro, porque a luta pela terra sempre aconteceu, com ou sem projetos de reforma agrária. Inicialmente era comandada por homens, muito embora já houvesse a participação das mulheres na luta pela terra, mais concentrada no sudeste do Pará que foi palco de um movimento que ficou conhecido como a Guerrilha do Araguaia, integrada por muitas militantes do PC do B.

A experiências das mulheres camponesas, especialmente no contexto da luta posseira que se desenvolveu, predominantemente, nas décadas de 1970 e 1980, restringia-se mais no apoio as tarefas domésticas e no enfrentamento dos conflitos decorrentes da luta pela posse da terra, onde normalmente era vitimizadas em despejos e confrontos armados.

Dona de décadas de vida que se misturam com a história da luta do campo no Brasil, Maria, quebradeira de Côco em São Domingos do Araguaia, trilhou um caminho que a fez mais que esposa de alguém: a fez dona de um legado capaz de atravessar fronteiras e manter outros braços femininos nas porteiras do enfrentamento por direito aos campos de babaçu livres.

 

O Direito ao Corpo

Historicamente, as decisões sobre a saúde reprodutiva das mulheres foram subordinadas às normas sociais e culturais que limitam sua liberdade. Exemplo disso era a necessidade de ter a autorização do marido para fazer uma laqueadura que perdurou até a década de 80.

A lei da laqueadura sancionada em 2015 no Brasil, representa uma importante conquista das mulheres dos direitos reprodutivos. A legislação garantiu que mulheres possam optar pela laqueadura, um método cirúrgico contraceptivo permanente.

 

Elas resistiram bravamente

No sudeste do Pará, a luta pelo direito das mulheres foi marcada por atos de violência e um cotidiano de muitas tensões, sobretudo em Marabá, , Xinguara , São Geraldo do Araguaia e São Domingos do Araguaia. “Naquele tempo, quando ia para a igreja, tinha momentos por causa das muitas ameaças, eu não sabia se orava ou se pensava : quem vai chegar aqui dentro da igreja?” , conta dona Joelma

Ameaças de morte reiteradas por telefonemas anônimos, movimentação de carros estranhos em frente a casa onde morava, fizeram dona Nicinha temer pela própria vida. “Alguém vinha me falar coisas, vizinho que via o homem parar carro na minha porta diversas vezes. Eu vivia numa tensão muito grande”, relata ela.

 

 

A economia rural

Apesar da luta, as camponesas ainda têm uma participação mínima na titularidade das terras agrícolas. Quando chegam a ser titulares da terra, seus lotes são menores e de menor qualidade do que os dos homens. Além disso, o resultado dos plantios é menor, por não terem acesso a insumos e tecnologias como os homens, o que limita a sua capacidade de produção.

Como consequência desse hiato do rendimento entre agricultores e agricultoras se situa entre 20% e 30%. No âmbito salarial essa diferença se replica. Uma barreira que vem sendo transposta lentamente. De acordo com a Embrapa, se esse hiato for fechado, o aumento na produção feminina poderia resultar em alimentos para 150 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a FAO.

As mulheres se veem obrigadas a envolver os filhos homens entre 5 e 14 anos na capina, o que resulta no aumento dos índices de trabalho infantil. As mulheres só recebem 10% da ajuda total destinada à agricultura, às atividades florestais e à pesca, ao mesmo tempo em que têm um menor acesso ao crédito em comparação com os homens. Diferenças que hoje desafiam a luta.

 

A luta contra a desigualdade na Educação

Os números mostram que os índices de alfabetização de mulheres no Pará cresceram colocando o estado em 16º lugar no ranking, entre as unidades da federação. No entanto, apesar da redução, o analfabetismo entre as mulheres rurais e o número médio de anos de instrução escolar ainda são um desafio. Coletivamente, as mulheres rurais encamparam a educação agroecológica como bandeira de luta. Acreditam que a força de sua luta pode promover o progresso em nível mundial na construção de um país melhor, com equidade e sustentabilidade.

 

O ativismo camponês rumo ao futuro

Registros de diversos movimentos sociais mostram que as mulheres camponesas, jovens ou idosas, hoje se põe nas ruas com um envelhecer ativo, apesar das tragédias do passado.

De acordo com a Embrapa, elas produzem grande parte dos alimentos orgânicos no país, uma demonstração do avanço dessa política de gênero voltada ao protagonismo e fortalecimento econômico do trabalho das mulheres rurais.

(Fotos: Reprodução)

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