Por unanimidade, Copom mantém Selic em 10,5% ao ano, contrariando o governo

Comitê do Banco Central resolveu não mexer nos juros pela segunda vez seguida, apesar de pedidos para queda

 

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu manter a taxa básica de juros da economia estável em 10,50% ao ano. A decisão foi anunciada no início da noite desta quarta-feira (31), após a reunião da diretoria colegiada do órgão, que considera que o cenário de dentro e fora do Brasil exige uma “maior cautela”.

A decisão do Copom foi unânime. Ela contrariou pedidos de representantes de empresários, trabalhadores e de membros do governo. Esta é a segunda vez seguida que o comitê do BC decide não mexer nos juros. Em junho, o Copom já havia interrompido uma sequência de sete cortes seguidos da Selic para mantê-la em 10,5% ao ano.

No comunicado, o Copom afirma que optou por manter a taxa de juros inalterada, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas “demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela”.

O Copom também ressalta que a política monetária deve se manter contracionista “por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta”. A meta é manter a inflação em 3% ao ano, podendo variar entre 1,5 ponto para mais ou menos.

“O Comitê se manterá vigilante e relembra que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”, diz o texto.

O BC também reforçou que o processo desinflacionário tende a ser mais lento, com ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador. No texto, o BC também afirmou que monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O BC não cita, mas recentemente o governo decidiu bloquear R$ 15 bilhões no Orçamento, num movimento que ocorre depois de forte pressão para controle dos gastos públicos.

“A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes”, afirma o Copom.

No comunicado, o órgão diz que repete que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.

O BC também cita que o ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza sobre os impactos e a extensão da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e sobre as dinâmicas de atividade e de inflação em diversos países.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado, de acordo com o BC. As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,1% e 4,0%, respectivamente.

 

Críticas

Na terça-feira (30), um dia da decisão do BC, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), já havia dito que tal taxa de juros dificulta a geração de empregos no Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em junho, também havia cobrado um corte da Selic.

No mesmo dia, centrais sindicais realizaram atos em 11 capitais sob o lema “menos juros, mais empregos”. Em São Paulo, o ato ocorreu na avenida Paulista, em frente ao BC. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes, também pediu juros menores para o bem da economia nacional. Gomes ainda criticou a postura política que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem adotado no comando do órgão.

“Ele optou pessoalmente por um posicionamento político. Se acabarem com a autonomia do Banco Central, o ‘mérito’ vai ser todo do Campos Neto”, disse Gomes, lembrando que o presidente do BC votou em 2022 vestindo uma camisa da seleção brasileira.

Campos Neto é o primeiro presidente do BC a gerir o órgão já sob a vigência da lei para a autonomia do órgão, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa lei estabelece mandatos para diretores do BC. Lula é o primeiro presidente que não pôde escolher o chefe do BC no início do seu governo.

 

Previsão de inflação

A decisão desta quarta-feira ocorre num momento de alta do dólar e de mais pressão sobre a inflação. A moeda americana acumulou alta de de 15,9% neste ano, o que é um fator que pode gerar alta de presços dentro do Brasil. O dólar fehcou em R$ 5,65 nesta quarta. Segurar os juros, por sua vez, tende a inibir a alta do dólar.

A alta do IPCA-15 de julho, de 0,30%, acima das estimativas, reforçou a preocupação de analistas. No acumulado em 12 meses até julho, o percentual fechou em 4,45%, superior aos 4,06% até o mês anterior. Esse patamar está próximo da meta de inflação, de 3% ao ano (podendo chegar até 4,5%).

A previsão do mercado para a inflação de 2025 também tem subido. Saiu de 3,87% no início deste ano para 3,96% nesta semana. Ao longo de todo este ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem criticado recorrentemente a taxa de juros e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O BC tem autonomia operacional e Campos Neto tem mandato até o fim deste ano.

 

Decisão do FED

Também nesta quarta, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) decidiu manter os juros do país inalterados, na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano. A decisão foi unânime. Esse continua sendo o maior nível das taxas desde 2001.

Em entrevista a jornalistas, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que um corte na taxa poderá “estar na mesa” já na próxima reunião do colegiado, em setembro. Isso se os dados econômicos do país caminharem conforme o esperado. Essa mudança pode ser positiva para o Brasil, porque tende a fazer investidores colocarem recursos em países com juros mais altos.

 

Selic

A taxa Selic é referência para a economia nacional. É também o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país. Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.

Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.

A Selic também é uma taxa de referência para os títulos da dívida que o governo emite para financiar suas atividades. Isso significa que, quando ela sobe ou desce, isso também influencia no gasto com juros e até no valor total da dívida brasileira.

 

Contas públicas

Em junho, mês que o Copom interrompeu a queda da Selic, o setor público brasileiro gastou R$ 94,9 bilhões só com os serviços financeiros de sua dívida. O gasto é o maior já registrado em um mês desde junho de 2022. É também mais que o dobro do registrado em junho do ano passado (R$ 40,7 bilhões) e 27% maior do que o verificado em maio (R$ 74,4 bilhões).

Com o valor empregado para custear somente os juros mensais da dívida pública, o governo federal poderia pagar os R$ 1.412 de Benefício de Prestação Continuada (BPC) durante um ano a quase todos os 5,9 milhões de idosos beneficiários do programa.

O Orçamento previa um gasto de R$ 103,4 bilhões com o BPC neste ano. Neste mês, ele atualizou suas estimativas e elevou esse gasto para R$ 111,4 bilhões. Considerando isso, decidiu bloquear R$ 15 bilhões em despesas para conseguir cumprir com suas metas fiscais de 2024.

Enquanto o governo corta gastos, segundo o BC, uma queda de 1 ponto percentual na Selic mantida por um ano reduziria a dívida líquida do setor público em R$ 51 bilhões. Uma queda de 0,5 ponto teria um efeito proporcional, reduzindo a dívida em cerca de R$ 25 bilhões.

Também em junho, o gasto acumulado de 12 meses do governo com juros chegou a R$ 835 bilhões. Isso é o maior valor já registrado pelo BC desde 2002, desconsiderada a correção monetária. Na comparação com os 12 meses anteriores, houve um crescimento de 30%.

(Foto: REUTERS/Adriano Machado)

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