Henrique Acker. – As vitórias eleitorais da Nova Frente Popular (NFT) na França e do Partido Trabalhista no Reino Unido são um alento, num mar revolto de ondas cada vez maiores de reacionarismo na Europa e no Mundo. Resultados que evitaram o avanço eleitoral da extrema-direita.
. Isso não deve cegar os analistas, sobretudo aqueles que fazem da política sua matéria-prima. Sem tirar o mérito das vitórias da NFT e do PT, elas também são produto dos sistemas eleitorais francês e britânico, não de um avanço estrondoso da esquerda.
Surpresa na França
. Senão, vejamos: apesar de ter ficado em terceiro lugar (143 deputados), o Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen foi o partido mais votado, com 10,1 milhões de votos. A NFP conquistou 182 deputados, mas com cerca de 7 milhões de votos.
. Quem perde é a direita tradicional de Emmanuel Macron, que despencou de 250 para 158 deputados. E parte deles foi eleita com o apoio do eleitorado progressista, que fez o “voto útil” para derrotar a extrema-direita no segundo turno.
. Da NFT fazem parte o França Insubmissa (73 deputados), um partido da safra pós-URSS e marcadamente anticapitalista; o Partido Socialista (59 deputados), partido institucional que oscila entre posições à esquerda e mais conciliatórias; os verdes ecologistas (28 deputados); e o velho Partido Comunista (9 deputados). Total de 180 deputados.
Pouca mudança no Reino Unido
. Na Grã-Bretanha, os trabalhistas conquistaram 412 cadeiras no parlamento (63%), graças a 33,8% dos votos, apenas 1,5% a mais do que na eleição de 2019, quando elegeram 203. Cabe lembrar que os trabalhistas estão sob a liderança do moderado Keir Starmer. Os conservadores obtiveram 23,7% dos votos e somente 18,6% dos mandatos (121).
. Os principais beneficiários do desgaste dos 14 anos de governos conservadores no Reino Unido foram os liberais democratas (também de direita), que pularam de uma bancada de 11, em 2019, para 71 deputados em 2024.
. O partido de Nigel Farage, líder da campanha da extrema-direita pelo Brexit – que separou o Reino Unido da União Europeia – obteve cerca de 4 milhões de votos (14%) e conquistou pela primeira vez uma bancada no parlamento britânico, com cinco deputados.
Sistemas eleitorais por distrito
. Tudo isso se explica por duas razões: 1) Tanto na Grã-Bretanha quanto na França, os deputados são eleitos em distritos ou círculos eleitorais; 2) No caso francês, se a eleição for ao segundo turno, os candidatos de um partido ou coligação de um distrito podem retirar suas candidaturas para evitar a vitória de outro partido.
. Tanto na França como no Reino Unido o que ficou patente é a falência dos governos do “mercado”, que dão as costas aos mais necessitados e seus direitos, em detrimento do ajuste das contas públicas, privatização da dívida pública e da farra de banqueiros e especuladores. É nesse caldeirão de frustrações que cresce a extrema-direita em toda a Europa.
. Derrotar a extrema-direita exige capacidade para se mover no tabuleiro político-eleitoral. Mas isso também tem limites. As esquerdas precisam de uma nova estratégia política e de um programa para a atualidade (que a NFT esboçou com relativo sucesso). Não apenas para eleições, mas para voltar a conquistar corações e mentes.
Coluna semanal do jornalista Henrique Acker