Henrique Acker (correspondente internacional) – É difícil traçar comparações entre países e povos, ainda mais entre um gigante como o Brasil, na América do Sul, e um pequeno país da Europa, como Portugal. Seria de se esperar que um país continental tivesse muito mais facilidade em colocar seus recursos naturais e estratégicos de crescimento a serviço da melhoria das condições de vida de seu povo. Ao contrário, um país do tamanho dos estados do Rio e Espírito Santo, com uma população muito menor, certamente teria mais dificuldades.
Quis a história que no Brasil e em Portugal, países com vínculos inseparáveis, no mesmo período, houvesse mudanças políticas bruscas num intervalo de apenas dez anos: um golpe militar, em 1964, que impôs uma ditadura de 21 anos no Brasil, e uma revolução que implantou a democracia em Portugal, a partir de 1974.
O impacto de duas décadas da ditadura militar no Brasil foi tamanho, que criou uma economia concentrada em grandes grupos econômico-financeiros, de capital nacional e estrangeiro, em todos os segmentos. A redemocratização foi conquistada num processo de negociação, em que as classes dominantes tiraram os militares de campo e pouco tiveram que ceder. Sequer os mandantes e executores dos crimes da ditadura foram julgados e condenados. Isso tem efeitos até hoje sobre as condições de vida da maioria da população brasileira.
O levante militar que derrubou o regime fascista em Portugal, ao contrário, teve efeitos cirúrgicos. O salazarismo caiu nas ruas, sob a mira dos tanques e a pressão popular. Apesar de contar com uma economia bem menor e recursos escassos, os avanços econômicos e sociais a partir de 1974 em Portugal foram grandes na Saúde e na Educação públicas, nos direitos civis (principalmente para as mulheres), e em alguns ganhos trabalhistas (salário-mínimo, férias, etc).
Mais brasileiros na “terrinha”
Os dados migratórios entre os dois países ajudam a entender o que se passou e se passa nos dois países. Até o início dos anos 60, muito mais portugueses chegavam ao Brasil para tentar vida nova. Agora, da segunda década do século XXI em diante, centenas de milhares de brasileiros saem do país para tentar a sorte em Portugal. Por que?
De 1901 a 1930 entraram no Brasil 754 mil portugueses (25 mil/ano). De 1931 a 1950 foram 148 mil portugueses (7.400/ano). Entre 1951 e 1960 outros 235 mil portugueses chegaram ao Brasil (23 mil/ano). Finalmente, entre 1961 e 1967, cerca de 54 mil (7.800/ano) portugueses deixaram seu país para fixar residência no Brasil.
Dos anos 80 para cá, o declínio da emigração portuguesa foi tamanho que o número de pessoas que deixou Portugal para residir no Brasil tornou-se de menor importância. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Em 2013, a população brasileira residente em Portugal era de 92 mil pessoas. Em 2022, já eram 240 mil brasileiros e em 2023 essa população, a maior de estrangeiros no país, chegou a 393 mil (dados do SEF). Sem contar os que possuem dupla nacionalidade.
De acordo com Camila Escudero – professora e pesquisadora da Universidade Metodista de São Paulo – “o trabalho e a busca por uma vida melhor são fatores predominantes de motivação, desse tipo de emigração”. Segundo ela, esta comunidade procura em Portugal “condições de vida melhores no que diz respeito à segurança e educação”.
21 anos de ditadura
Vivia-se melhor no Brasil durante a ditadura militar? Defensores de uma intervenção militar falam em desenvolvimento e bem-estar social naquela época. Dados da inflação, salário mínimo, distribuição de renda e extrema pobreza, no entanto, desmentem isso.
A política econômica da ditadura militar brasileira baseava-se em promover o crescimento do país, à custa de financiamento público de grandes conglomerados privados em todos os setores da economia. Para os trabalhadores, restava pagar a farra dos monopólios com o arrocho dos seus salários.
Os entusiastas da ditadura se apegam ao período de 1968 a 1973, o chamado “milagre econômico”, quando o país teve taxas de crescimento que beneficiaram a classe média alta. No entanto, o “milagre” não resistiu ao endividamento do Estado e à crise mundial do petróleo, de 1973. No final da ditadura (1985), os índices econômicos e sociais eram assustadores, o que levou a um empobrecimento vertiginoso da maioria da população, e a uma insatisfação política que originou o fim do regime de força.
Crescer o bolo para depois distribuir
“A solução que a ditadura deu para a crise econômica e fiscal de 1964 a 1967 foi fazer um ajuste recessivo brutal. Por vários caminhos, as decisões político-econômicas diminuíram o custo do trabalho e aumentaram os ganhos de capital”, de acordo com o pesquisador Pedro Ferreira de Souza. O salário mínimo, já descontada a inflação, perdera 20% do seu valor real só entre os anos de 1964 e 1967.
Pelos estudos de Souza, professor do IPEA e da UNB, o 1% mais rico da população brasileira que concentrava cerca de 10% da riqueza do país em 1965, chegou ao final da ditadura, em 1985, com 30% da riqueza nacional. Isso contradiz a teoria do então ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, que usava o lema “crescer o bolo para depois distribuir”.
Saúde pública para poucos
Os dados do Orçamento da União mostram ainda que o investimento em saúde girou em torno de 1% do PIB durante a ditadura militar, mesmo durante a época do chamado “milagre econômico”.
Só quem tivesse carteira de trabalho assinada tinha direito a assistência médica pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), criado em 1974. A maioria da população buscava atendimento em instituições filantrópicas ou privadas, e os mais pobres eram tratados como indigentes.
O Sistema Único de Saúde (SUS), que integra todas as unidades federais, estaduais e municipais, só passou a existir depois de 1988, com a promulgação da Constituição, já sob o regime democrático.
País de analfabetos
Nas décadas de 1960 e 1970 os brasileiros passavam, em média, dois anos na escola . Naquela época, mais de um terço da população com mais de 15 anos era analfabeta. Essas informações constam do estudo “Estatísticas da educação básica no Brasil”, publicado pelo Inep-MEC .
Nos anos 60 os homens brasileiros estudavam, em média, 2,4 anos. O tempo de escolaridade das mulheres era menor ainda: 1,9 ano. Já a taxa de escolarização da população negra caía para apenas 9 meses de estudo. Naquele período, quase 46% da população com mais de 15 anos era analfabeta e não conseguia escrever o próprio nome.
A média de tempo na escola na década de 1970 quase não se alterou: 2,6 anos para os homens e 2,2 anos para as mulheres. Naquele tempo, 4 em cada 10 brasileiros ainda eram analfabetos. A taxa de analfabetismo só cai para um terço dos brasileiros (33%) na década de 1980, com a redemocratização do país e a política de reforço do ensino público. (Foto: Reprodução Internet)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes:
https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/portugueses.html
file:///C:/Users/noten/Desktop/meus%20docs/a_ditadura_dos_carteis.pdf
https://infograficos.gazetadopovo.com.br/politica/numeros-do-brasil-na-ditadura-militar/
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx0z199k8n3o
https://www.infoescola.com/historia/crise-da-divida-no-brasil/
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/29/economia/1446146892_377075.html#
https://www.rtp.pt/play/p12258/e724851/antes-da-revolucao-1973-1974
https://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=censos21_dados_finais&xpid=CENSOS21&xlang=pt
«Grande Guerra e Guerra Colonial – Custos para os Cofres Portugueses», livro de Ricardo Ferraz