Chega: um partido do povo financiado pela elites?

Henrique Acker (correspondente internacional)   –    O Chega, partido político de extrema-direita que mais cresceu na eleição portuguesa de 10 de março, não só multiplicou por quatro sua bancada de deputados (de 12 para 48), com 1 milhão e 100 mil votos, como foi decisivo para a corrida às urnas, o que acarretou na menor abstenção desde 1995 (33%).

Sempre muito eloquente e incisivo em seus discursos inflamados, como todo líder de extrema-direita, o advogado e ex-comentarista esportivo André Ventura sai fortalecido da eleição. Enquanto o Chega alcançou o terceiro lugar, mesmo vitorioso o tradicional PSD praticamente repetiu a votação de 2022, enquanto o PS perdeu mais de 40 deputados.

 

“Limpar Portugal”

No entanto, apesar do slogan de campanha “Limpar Portugal”, numa referência à corrupção, há questões nebulosas envolvendo doações e doadores de recursos para o Chega. O partido não entregou os nomes dos seus financiadores de 2020, 2021 e 2022 – o que é exigido pela legislação -, de acordo com uma auditoria da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), entidade fiscalizadora das contas dos partidos em Portugal.

Segundo reportagem da TVi (Portugal), há “centenas” de donativos que surgem nos extratos bancários que apenas contêm um nome “mas outros nem isso”, e só indicam a aplicação digital de pagamentos e donativos que o Chega utiliza. O representante do Chega chegou a afirmar que houve problema com o banco, que se recusou a fornecer os nomes dos doadores.

O secretário-geral do Chega diz que a informação existe, mas “pode é não ser tão simples de ver como uma lista. Está tudo nos arquivos e na documentação entregue, nos balancetes analíticos”. A TVi diz que a seguir a essas declarações voltou à ECFP “e não encontrou os referidos arquivos digitais”.

Afinal, em resposta ao relatório da ECFP, datado de junho de 2023, o Chega recusa a identificação dos doadores, alegando cumprir o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados. No entanto, há uma lei do financiamento político que exige a identificação clara dos doadores dos partidos.

 

“O povo é quem menos ordena”(*)

Às vésperas da eleição de 2022, André Ventura proclamou-se o candidato “do povo” contra as “elites”, enquanto discursava na luxuosa Quinta da Marinha, na cidade de Cascais. “Só há um partido verdadeiramente contra o sistema de interesses instalados, que é o nosso. Se todos nos querem anular e aniquilar, eu tenho a certeza que o povo português vai dizer que quem manda é o povo e não as elites”, afirmou Ventura  num almoço-convívio do Chega no hotel The Oitavos, onde um quarto custava entre 314 euros e 1.688 euros por noite. É o que informa matéria da Revista Sábado, de 22 de setembro de 2022 (a).

Em junho de 2020 a Revista Visão já havia publicado extensa matéria sobre um banquete na luxuosa Quinta do Barruncho, nos arredores de Lisboa. O centro das atenções era André Ventura, que recém havia lançado o Chega (2019). Entre os convidados estava João Maria Bravo, dono da Sodarca, empresa com contratos milionários de fornecimento de armas às forças de segurança e ao exército.

Outro grande empresário presente era Miguel Félix da Costa, cuja família representou durante 75 anos a marca de lubrificantes Castrol em Portugal, atual homem forte da Slil, uma sociedade gestora de participações nas áreas do imobiliário e turismo, e que conta ainda com interesses na agricultura e na criação de cavalos. A eles se juntou Humberto Pedrosa, dono do grupo Barraqueiro, então administrador acionista da TAP, e João Pedro Gomes, do grande escritório de advogados BSGG.

Também comensal da Quinta do Barruncho foi Francisco Cruz Martins, que administra as imobiliárias Mocaja e Xaroco, ambas pertencentes à Breteuil Strategies, sediada no Chipre, um dos mais importantes paraísos fiscais europeus. O nome do advogado foi amplamente citado no escândalo dos “Papéis do Panamá”, por causa das ligações a sociedades offshore.

 

Quem paga o banquete escolhe o prato

Além deles, outros 70 grandes empresários de diversos ramos econômicos portugueses, como representantes do antigo Grupo Espírito Santo. Carlos Barbot, dono do império empresarial das Tintas Barbot, e Paulo Mirpuri, ex-dono da falida operadora de aviação Air Luxor, CEO da Mirpuri Investments e da Hi-Fly, também estiveram nos almoços do Chega.

Entre os doadores do Chega já foram detectados membros da família Champalimaud, que figuram como maiores acionistas da CTT (Correios e banco) e do hotel de luxo The Oitavos, em Cascais, onde o partido organiza encontros com financiadores, dentre outros ramos de negócios.

“É importante apoiar o Chega e mobilizar outros empresários à volta do Ventura para que possa ganhar as eleições e chegar a primeiro-ministro. Em termos de ajuda financeira – e é óbvio que o partido vai precisar –, far-se-á também o necessário, obviamente dentro da lei e com transparência.” Foi o que declarou João Bravo à Revista Visão, em matéria publicada em 23 de julho de 2020 (b).

Órfãos do PSD e do CDS, nos quais identificam fragilidades, os empresários que apoiam Ventura querem uma renovação política. Segundo Miguel da Costa afirmou à reportagem da Visão, está em curso “um ataque nunca visto aos nossos valores e princípios, manipulado por uma extrema-esquerda insaciável. O desafio do Chega é conseguir despertar e motivar uma direita adormecida que não vota e apenas sabe criticar. Ventura tem capacidade de mover montanhas e arrastar milhões de potenciais votantes”.

Talvez as citações e o entusiasmo de grandes empresários com André Ventura e seu partido expliquem os pontos do Programa de fundação e o Programa Eleitoral do partido (c). Um bom observador certamente vai identificar o ideário e os interesses que movem o Chega.  (Foto: REUTERS)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

 

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Fontes:

(*) menção ao verso de “Grândola, Vila Morena” (autoria de Zeca Afonso), espécie de hino da Revolução de 25 de Abril de 1974, que derrubou o salazarismo em Portugal

(a) https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/familias-mello-e-champalimaud-financiaram-o-chega-em-2021

(b)  https://visao.pt/atualidade/politica/2020-07-23-grande-investigacao-os-empresarios-e-as-redes-que-apoiam-ventura/

(c) https://partidochega.pt/index.php/programa_politico/

 

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