O artigo a seguir com o título acima é de autoria do jornalista Márcio Chaer (*)
Junto com os dez anos da criação da autoapelidada “lava jato”, 2024 é também quando se completam 35 anos da instituição do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), que alicerçou, no mundo todo, movimentos como as chamadas “operações” que, no Brasil, geraram estrelas como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Rodrigo Janot, Joaquim Falcão e seus parceiros.
Quem criou o Gafi foi a cúpula das sete maiores economias do mundo, o G-7. Esse fórum foi criado para defender os interesses do grupo. Inicialmente, para fortalecer sistemas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e de combate ao terrorismo.
Definidas as ferramentas, o Grupo dos 7 passou a sugerir às economias mais dependentes a adoção das fórmulas gestadas em Paris, cidade escolhida como sede da organização intergovernamental.
Em 2003, o governo brasileiro instalou o que se batizou de Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) — uma rede de órgãos e entidades públicas brasileiras para, alegadamente, atuar de forma coordenada no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Embora centrada no Ministério da Justiça, o Poder Executivo logo perdeu o controle desse fórum.
Neocolonialismo e comércio
Os objetivos da Enccla eram os mesmos estabelecidos pelo Gafi: trabalhar no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. A rede associou 70 órgãos e entidades públicas de Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público.
Foi daí que nasceram as varas especializadas em crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, que geraram popstars como Sérgio Moro (hoje senador) e Marcelo Bretas (hoje influencer).
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é outro órgão arrecadador das metrópoles. O seu papel, assim como o Gafi, é cristalizar o que o constitucionalista português Blanco de Morais chama de “neocolonialismo” — ou seja, impedir que as economias menores concorram com eles em igualdade de condições.
A corrupção do combate à corrupção
Usando seu peso político e poderio econômico, as potências passaram a cultivar o conceito da “extraterritorialidade”. Ou seja: carrear para seus cofres multas bilionárias por alegados crimes praticados fora de suas fronteiras.
Em 2018, a Petrobras concordou em pagar US$ 853,2 milhões em acordos com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) para encerrar investigações relacionadas a supostos “esquemas de corrupção”.
Não há certeza sobre os números, uma vez que Sérgio Moro, a juíza Gabriela Hardt e outros participantes do esquema “lava jato” não deixaram rastros da distribuição de dinheiro recebido pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Uma investigação que ainda está pendente.
Mas notícias procedentes dos Estados Unidos dão conta de que a Petrobras concordou em pagar US$ 3 bilhões para acionistas minoritários americanos para encerrar ação coletiva movida por investidores que alegavam terem sido prejudicados por causa dos escândalos de corrupção revelados pela “lava jato”. O acordo foi anunciado em janeiro de 2018.
Antes, em 2016, a Petrobras também assinou um acordo com o Ministério Público da Suíça para encerrar uma investigação sobre suspeitas de corrupção, concordando em pagar o equivalente a cerca de US$ 205 milhões. Se a sangria ficou nisso, foram mais de US$ 4 bilhões, para a alegria do Gafi.
O mal em nome do bem
O escândalo de corrupção revelado pela “lava jato” teve um impacto significativo nas empresas brasileiras envolvidas, resultando em prejuízos financeiros, perda de reputação e outros danos. Algumas das consequências para as empresas envolvidas na “lava jato” incluem:
Do lado brasileiro, desmontou-se o parque de infraestrutura do país. Empregos foram perdidos e bilhões de reais foram empenhados em acordos de leniência calculados sem critério algum. Embora os “crimes” invocados não tenham sido comprovados — e era neles que se basearam as multas —, as viúvas e os órfãos do esquema “lava jato” insistem que as multas devem ser mantidas.
É nesse contexto que emerge a autoproclamada ONG Transparência Internacional. A tentativa da entidade de ser cogestora da “Fundação Dallagnol” foi mero acidente de percurso. Bruno Brandão, dirigente da “ONG”, atua como uma espécie de agente secreto do Gafi e da OCDE — órgãos de cujas reuniões ele participa regularmente.
Seu empenho em fazer com que as multas sejam mantidas no Brasil é extraordinário. Claro que se as acusações do esquema “lava jato” forem desmascaradas, as multas pagas no exterior correm risco. Não só isso: desmontadas as ações penais, por falta de materialidade, a consequência natural é que as ações de improbidade contra as empresas brasileiras, nelas escoradas, desabem junto.
Para pressionar o Supremo Tribunal Federal, Brandão procurou primeiro as principais redações da mídia tradicional brasileira. Agora tenta provocar revistas e jornais de outros países para assediar os ministros do STF.
Uma “pesquisa” descabelada e desconexa, recentemente divulgada, “apurou” que a população aprova a “lava jato” e desaprova o Supremo Tribunal Federal.
Uma pesquisa semelhante poderia ser feita para verificar o grau de confiança da população na imprensa — projeto igualmente inválido. Menos de 3% da população brasileira consome, de fato, conteúdo jornalístico — o que invalidaria a legitimidade do levantamento. Assim como o cidadão comum não faz a menor ideia do que seja STF, nem tem noção do que tenha sido a finada “lava jato”. Um fenômeno que poucas pessoas sabem, ao certo, do que se trata.
Dois pesos e duas medidas
Brandão chegou a fraudar outra pesquisa, agora para concluir que o país está a caminho de se tornar um dos mais corruptos do mundo. Não se informa quem foi ouvido, quantos foram os pesquisados, quando, nem como. Apenas sacou da cartola que num improvável “Índice de Percepção da Corrupção”, o Brasil é cada vez mais corrupto. Para tentar “lavar” a “pesquisa”, a TI diz que ouviu 12 entidades. Não diz quais, tampouco.
Em artigo publicado neste site, o economista e jornalista Fernando Teixeira mostrou que a Transparência Internacional, “enquanto no Brasil trabalha contra as empresas nacionais — para submetê-las a multas bilionárias —, nos Estados Unidos defende a promoção do interesse nacional e a proteção da iniciativa privada”.
Reação diferente teve a organização no megaescândalo da Siemens, quando a empresa foi poupada para evitar desemprego e a insolvência. No caso, a Transparência apoiou a empresa.
Em um seminário na Universidade Humboldt, de Berlim, um dos maiores penalistas alemães, Thomas Rönnau, afirmou que a Alemanha, onde fica a sede da Transparência Internacional, é o “paraíso da lavagem de dinheiro”.
E explicou o motivo: o alemão não gosta de usar cartões, como não gostava de cheques ou transações eletrônicas. Só usa dinheiro em espécie, o que impede o rastreamento de valores.
Mas o que interessa a Bruno Brandão é manter as multas no Brasil. Um idealista, portanto.
Na imagem, Deltan Dallagnol e Sérgio Moro, transformados em estrelas pelas ‘operações’ brasileiras da chamada Lava-Jato. (Foto: Folha/Divulgação)
(*) Márcio Chaer, é diretor da revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.