Henrique Acker (correspondente internacional) – Mesmo que o massacre de palestinos em Gaza não leve a um confronto generalizado no Oriente Médio, as iniciativas do governo sionista de Netanyahu vão todas no sentido de pressionar o governo dos EUA a se envolver diretamente no conflito. É o que explica a insistência em apontar o Irã como responsável pelo envolvimento de outros atores, como Hezbollah (Líbano) e os Houthis (Iêmen).
O objetivo do governo de extrema-direita de Israel é prolongar ao máximo o massacre em Gaza e ganhar tempo para evitar o julgamento do atual primeiro-ministro, acusado de crimes de corrupção e muito desgastado internamente. Daí a importância de provocar a abertura de múltiplas frentes de guerra.
É o que explica o pouco caso de Netanyahu com a negociação da libertação dos prisioneiros israelenses de posse do Hamas, assim como um cessar-fogo na Faixa de Gaza. É evidente que esse prolongamento do conflito também é interessante para a indústria armamentista dos EUA, que fornece anualmente 3,8 bilhões de dólares em ajuda militar a Israel.
No entanto, a meta da extrema-direita israelense é vista com cautela por Washington. Além de atuar como uma potência político-militar no Oriente Médio, o Irã mantém relações privilegiadas com a Rússia, fornecendo equipamento de guerra usado pelo regime de Moscou na invasão da Ucrânia. No momento em que a guerra na Ucrânia parece favorecer os russos, não convém empurrar ainda mais o Irã para uma aliança mais sólida com Moscou.
EUA querem evitar diversas frentes de combate
O deslocamento de navios de guerra dos EUA para o Mar Mediterrâneo foi um aviso de que Washington está vigilante, caso o governo iraniano tenha a intenção de agir contra Israel. Mas foi apenas a movimentação de peças no tabuleiro de xadrez do conflito.
Já os recentes bombardeios dos EUA e do Reino Unido contra o Iêmen, em retaliação aos ataques dos Houthis a navios cargueiros no Mar Vermelho, jogam lenha na fogueira da tática de guerra do governo israelense.
A iniciativa dos governos de Washington e Londres visa preservar os interesses do trânsito das grandes companhias transporte de carga na região, responsável por 10 a 15% do comércio global diariamente. O uso de outras rotas encarece o custo final das cargas, afetando não apenas o fornecimento a Israel, mas a todos os grandes mercados consumidores.
Pelo Mar Vermelho e o Canal de Suez são transportados 30% do petróleo, além de boa parte do gás, mas também outros tipos de produtos, alguns essenciais como o trigo. Calcula-se que o valor total da carga transportada por esta rota marítima atinja 10 bilhões de dólares por dia.
A dificuldade do governo Biden é controlar as diversas frentes de combate com diferentes atores no cenário político internacional. A depender do Congresso dos EUA, envolvido diretamente na disputa eleitoral deste ano, a ajuda militar e financeira ao governo ucraniano vai minguar. Foi o primeiro-ministro britânico que viajou recentemente a Kiev para oferecer nova ajuda militar para o governo de Vlodomir Zelenski.
Mal foi anunciado o resultado da eleição de Taiwan, com a vitória do candidato apoiado por Washington, Joe Biden se apressou em declarar que os EUA não defendem a independência da ilha frente a China. O recado visou esfriar a temperatura das relações com Pequim, um tanto atritadas pelas recentes iniciativas político-militares dos EUA e seus aliados na região contra os interesses chineses.
Irã pretende isolar Israel e os aliados dos EUA
O crescimento de grupos político-militares xiitas nas últimas décadas no Oriente Médio é uma resposta à guerra Irã-Iraque – estimulada pelo governo dos EUA -, a invasão do Iraque e a guerra civil na Síria.
O surgimento do Hamas, na Palestina, do Hezbollah, no Líbano, e dos Houthis, no Iêmen, além de outros grupos de menor expressão, transformou o Oriente Médio num caldeirão de conflitos, visando combater os interesses dos EUA e seus aliados.
O Irã, maior país de maioria islâmica xiita na região, transformou-se numa potência econômica e militar do Oriente Médio. É também o maior inimigo da Arábia Saudita, de maioria sunita e principal aliado dos EUA entre os países árabes. O outro grande aliado dos EUA na região é Israel, mas a questão palestina dificulta a aproximação daquele país com os países árabes.
Por sua importância estratégica na região, cabe ao Irã papel de destaque na articulação e treinamento dos diversos grupos xiitas. No entanto, ao contrário do que difundem os EUA e Israel – com apoio incondicional da mídia ocidental – esses grupos agem com autonomia e não dependem do apoio direto do regime iraniano para traçar e executar seus planos.
O governo do Irã parece ter consciência dos riscos de um confronto direto com Israel, ainda mais com o apoio militar dos EUA. Por isso, movimenta-se com cautela na questão palestina, evitando se envolver diretamente no conflito, denunciando o papel dos EUA e isolando Israel junto aos povos árabes em todo o Oriente Médio, ao mesmo tempo em que dá apoio político, mas pede prudência a seus aliados.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)