Glauco Alexander Lima – Escrevo dos Emirados Árabes Unidos, em dezembro de 2023, em plena COP28, a cada vez mais badalada United Nations Climate Change Conference, ou Conference of the Parties of the UNFCCC. Em nosso português, a 28ª SESSÃO DA CONFERÊNCIA DAS PARTES, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), que está sendo realizada até 12 deste mês na Expo City, em Dubai.
A Expo City é um centro de convenções gigantesco, distante uns 40 quilômetros do centro de Dubai. Ou seja, a cidade pouco se envolve com o evento.
Um dos pontos que mais chama atenção aqui e mesmo no Brasil, é a preocupação dos brasileiros, principalmente os que não são amazônicos ou não vivem na Amazônia, sobre a capacidade de Belém do Pará, que vai ser a sede da COP30 em 2025, fazer um evento igual ou melhor do que essa mega COP que está sendo realizada aqui, no Oriente Médio.
A resposta é clara: não!
Belém não fará um evento igual ao de Dubai. Mas, antes que o leitor entre em desespero, é bom alertar que isso não é uma tragédia. E será, inclusive, um fator positivo para ajudar nesse grande debate, sobre como conter as mudanças climáticas e o perverso aumento das temperaturas na Terra. Belém não será nem melhor, nem pior. Mas certamente será mais valiosa em muitos aspectos, para a discussão aprofundada dessa temática.
A COP não é uma COPA do mundo de futebol, ou um campeonato para ver quem faz a reunião mais suntuosa. A COP não é entretenimento. É uma conferência para discutir um drama que ameaça a vida no planeta. Belém do Pará, na América do Sul, e Dubai, na Ásia, são experiências humanas bem distintas. Ambas importantes para ajudar no entendimento histórico de como a nossa caminhada na Terra, nos levou a esse ponto crítico e emergencial sobre uma catástrofe ambiental que já está em andamento.
Dubai faz lembrar aquele verso de Caetano Veloso na canção Sampa: “a força da grana, que ergue e destrói coisas belas”
A cidade é extraordinária, futurista, um esplendor da força do dinheiro e da obstinação humana. Foi erguida com o poder da enorme riqueza vinda do combustível fóssil. Combustível que alavancou avanços e ao mesmo tempo ajudou a danificar muitos biomas por todos os continentes e oceanos. Os dirigentes de Dubai sabem que essa riqueza, embora astronômica, é esgotável. E aproveitaram seus bilhões de dólares para criar outra matriz econômica, construindo uma cidade que já é um dos maiores destinos do turismo de luxo, divertimento caro, gerador de divisas para esse pequeno país do golfo Pérsico.
A cidade de Dubai, como ficou famosa internacionalmente, é fruto do século 20. Tudo foi erguido recentemente, movido a petróleo. E como diz outra canção do Caetano: “aqui tudo parece ainda em construção e já é ruína”A transição energética pode demorar mais, ou chegar antes do que se pensa, mas já é uma realidade inevitável. E o reinado de Dubai percebeu isso e se prepara para viver de outras indústrias e a turística é uma delas.
Dubai será sempre um monumento para se refletir sobre um tempo da vida na Terra.
Belém tem 407 anos. Estes mais de 4 séculos, algo em torno de 270 anos, foram vividos em regime de escravidão de seres humanos negros, e avanços cruéis sobre povos indígenas, sem expressivas reparações. O que marca a ecologia social da cidade até hoje.
Belém foi erguida sobre uma região inapropriada para assentamentos urbanos, instalada num terreno pantanoso. Seu ponto mais alto não chega a 20 metros. E mais de 40% do perímetro urbano fica abaixo da cota quatro do nível do mar. Isso torna a urbanização quase impossível e exige investimentos permanentes de bilhões de dólares em macrodrenagem. Ainda mais para essa explosão metropolitana que temos hoje, onde vivem e sobrevivem quase 3 milhões de pessoas.
Se Dubai tem seus fascínios, Belém também os tem. E muito fascinantes. Principalmente para quem quer buscar, no entendimento das relações sociais, nas relações do capital com o trabalho, na relação humana com a natureza, nas relações políticas e históricas, as lições para ajudar na busca de novos caminhos, que conciliem o progresso da economia com a evolução humana e a preservação do ecossistema.
Estamos na 28ª COP das Nações Unidas e, desde a primeira, lá nos anos 1990, a crise do clima só se agrava. Embora pareça que governos, empresas, mundo financeiro, instituições de ensino, organizações corporativas estejam interessadas em conter o aquecimento, não se percebem ações efetivas ou concessões para estancar a sangria. O inferno, cada vez mais quente onde estamos vivendo, está cheio de boas intenções e poucas atitudes, além das belas retóricas dos mais poluidores.
O que se sente em Dubai 2023, é um avanço das corporações de mercado sobre a questão, os países ricos falando bonito, mas tudo parece mais um charmoso apelo verde para agregar valor para marcas e ideologias, do que esforços para melhorar as relações econômicas, reduzir a concentração de muita renda nas mãos de poucos, o avanço de um capitalismo cada vez mais financista, hegemônico, tudo isso que, no fundo no fundo, está nas causas da devastação da natureza, da quebra do clima, das catástrofes ambientais.
Uma COP na esquina da bacia amazônica com o oceano Atlântico é algo que instiga. Belém tem tudo para ser espaço maior para os movimentos sociais e a sociedade civil apresentarem suas propostas, protestos e questionamentos. Em 2025, o Brasil, o Pará e Belém certamente vão estar sob governos democráticos, não negacionistas, comprometidos com a humanidade e a ciência, o que ajudará na qualidade do confronto de ideias e na pressão para que as grandes máquinas políticas e empresariais globais flexibilizem seus interesses.
O grande problema da COP 30 em Belém não vai ser só se faltar hotel, restaurante, ou se nossas ruas não forem como saídas de uma inteligência artificial, como as de Dubai. O grande drama da COP na Amazônia será se não for, de fato, um divisor de águas doces e salgadas, entre o que temos hoje, e uma nova postura, sincera e efetiva, para achar uma forma de reduzir desigualdades econômicas, sociais e regionais, o que é na verdade a melhor mudança para conter as terríveis mudanças no clima e regenerar a natureza.
(*) Glauco Alexander Lima é correspondente OPINIÃO EM PAUTA na COP28 DUBAI
(Foto: Divulgação/Setur/PA)