Presidente critica comportamento de homens que tiram a vida de companheiras e diz ser “uma das coisas mais abomináveis”. Ele também clamou pelas crianças vítimas da guerra em Gaza: “Pelo amor de Deus, parem”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta terça-feira (31) a lei que cria uma pensão especial de um salário mínimo para filhos e dependentes de mulheres vítimas de feminicídio. O Projeto de Lei (PL) 976/2022, aprovado pelo Senado no início do mês, prevê que o benefício, no valor de um salário mínimo, seja pago a menores de 18 anos em famílias de baixa renda.
Pela lei, poderão receber o benefício órfãos de famílias com renda familiar mensal per capita de até 25% do salário mínimo – R$ 330, em valores atuais. E o valor da pensão será pago pelo conjunto dos filhos que eram menores na data do óbito da mãe. E vale mesmo para crimes de feminicídios ocorridos antes da promulgação da lei. A iniciativa da lei é da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).
Em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, o chefe do Executivo afirmou que assinava a medida com “tristeza”. “Uma das coisas mais abomináveis que acontece na relação humana em pleno século XXI é a mulher se transformar em vítima prioritária, dentro da sua casa, por marido, namorado, ex-marido, ex-namorado, e às vezes por outras pessoas”, disse. “Ainda é mais abominável saber que grande parte das vítimas do feminicídio são mulheres pobres e negras”, acrescentou.
Ele mencionou o desamparo a que são submetidos os filhos órfãos do feminicídio. “É uma lei que sanciono com tristeza. Até nem gostaria que as mulheres estivessem aqui, que estivessem só os homens. Pra gente se perguntar o que leva um ser humano masculino ser tão baixo, ser tão rasteiro, tão canalha, de agredir uma companheira dentro de casa”, disse Lula.
O presidente disse que imaginava que a violência contra a mulher diminuiria com a aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006. “O que aconteceu é que tem piorado a situação”, destacou. E não se restringe apenas aos pobres, mas também “setores médios” e da “alta sociedade”. “Não é possível a gente continuar sendo o quinto país do mundo que tem mais feminicídios, já há muitos anos. Não é possível”, lamentou.
Guerra: ‘Pelo amor de Deus, parem’
Do mesmo modo, Lula lamentou as vítimas dos ataques de Israel na Palestina, em retaliação a atos terroristas cometidos pelo Hamas no início do mês. “Quando eu vejo, lá na faixa de Gaza, 3 mil crianças sucumbirem numa guerra que elas não promoveram, que elas não pediram. Os irresponsáveis que fizeram a guerra estão chorando a morte dessas crianças? Estão sentindo o peso das coisas?”
“Estamos vendo pela primeira vez uma guerra em que a maioria dos mortos é criança. E ninguém tem responsabilidade? A gente não consegue fazer uma carta da ONU convencendo as pessoas que estão guerreando de que não é possível, e parem? Pelo amor de Deus, parem!”.
Repercussão
Para a deputada Maria do Rosário, a lei sancionada hoje é sobre “o amor, a ética e a proteção humana”. Trata-se de “assegurar um direito” às crianças que perderam suas mães para a violência machista. Ela afirmou que a aprovação da lei envia dois recados importantes: “A primeira é que não nos calaremos jamais, não nos acostumarmos jamais com a morte das mulheres pelo feminicídio. E a segunda, é dizer para essas crianças e todas as crianças do Brasil que elas não estão sozinhas”.
Ela contou que o projeto foi inspirado no relato de uma avó, moradora de Santa Maria (RS), que perdeu uma filha vítima de feminicídio. A avó revelava o desejo de cuidar dos netos, mas não tinha condições. “É isso que esse benefício faz: assegura a avós, tias, a famílias ampliadas, a possibilidade de seguirem com essas crianças como suas, dizendo que elas serão cuidadas no ambiente da família, na memória de suas mães, protegidas da violência e, sobretudo amadas.”
Para a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, a pensão especial para menores órfãos do feminicídio representa uma conquista da sociedade. “O feminicídio é o assassinato de uma mulher promovido por atos misóginos no contexto doméstico ou familiar. É o ato mais extremo de um contínuo de violência, que de forma cruel afeta cotidianamente as mulheres, disse, lembrando, em seguida, que a violência familiar e doméstica contra as mulheres como “uma das maiores questões sociais que o Brasil enfrenta”.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 1.437 casos de feminicídio no ano passado, 6% de crescimento em relação ao ano anterior. Desse total, 61% das vítimas eram negras. Em todo o país, são pelo menos 2.321 crianças e adolescentes que ficaram órfãs em função da violência de gênero.
( Foto: Ricardo Stuckert)