Henrique Acker (correspondente internacional) – Há quem imagine que os conflitos no Oriente Médio têm como pano de fundo apenas conflitos religiosos milenares. Essas questões são o tempero de disputas econômicas e políticas muito mais profundas, que envolvem a hegemonia econômica e política na região.
Por mais que as imagens de mortos e sequestrados pelo Hamas em Israel ou as cenas de crianças palestinas desesperadas e bebês mortos pelos bombardeios em Gaza sejam chocantes, mísseis e foguetes vão continuar caindo dos dois lados até que as potências mundiais e regionais encontrem uma solução que as satisfaça.
O Oriente Médio é formado por 15 países: Afeganistão, Arábia Saudita, Barein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Síria e Turquia.
Entre três continentes
E o que há de tão importante naquela região? Petróleo e gás, que se transformam em combustível para alimentar duas das maiores fontes de poluição do Planeta: a indústria automobilística e a indústria bélica, que requer combustível para carros de combate, tanques, navios e aviões. A região acumula cerca de dois terços das reservas petrolíferas mundiais comprovadas.
A Palestina não é propriamente a área de onde se extrai petróleo, mas a região merece a preocupação global, em virtude de ser a encruzilhada de três continentes que constituem 57% da superfície terrestre e possuem 81% da sua população.
Para a Europa é a rota direta para a Ásia Meridional, para a Rússia é o cobiçado acesso a mar aberto e para os Estados da Ásia Central é a avenida comercial mais favorável para o mundo exterior.
Desde o final da II Guerra, com o apoio do lobby sionista, Israel transformou-se no grande aliado dos EUA naquela região. Até 1979, os EUA também contavam com o apoio do regime monárquico do Irã. No entanto, depois da Revolução Islâmica, o Irã passou a ser o principal inimigo dos EUA no Oriente Médio, armando e treinando grupos jihadistas em toda a região.
Disputa geopolítica
Aliado do Irã, o Hamas incendiou o cenário político mundial, com a ofensiva suicida que promoveu sobre colônias israelenses, deixando um rastro de 1.400 mortos e 3.300 feridos, em 7 de outubro. O objetivo era forçar os israelenses a uma contra-ofensiva militar brutal contra Gaza, levar a solidariedade dos povos árabes aos palestinos, neutralizando os governos da região e isolando Israel.
O Irã conta ainda com a força político-militar do grupo Hezbollah, que atua no sul do Líbano, para abrir outra frente de conflito contra Israel, que também enfrenta a resistência palestina na Cisjordânia. Outra área de combate possível está nas colinas de Golã, fronteira Nordeste de Israel com a Síria, através da milícia jihadista que atua naquela região.
Se esse cenário se confirmar, Israel será obrigado a dividir seus esforços militares em quatro frentes simultâneas, algo muito mais complicado do que uma incursão em Gaza.
Assim, estaria aberto o caminho para um novo conflito no Oriente Médio, dificultando a aliança entre Israel e Arábia Saudita, costurada pelos EUA, para isolar o Irã e seus aliados. É de se destacar a recente aproximação dos iranianos com os governos da China e da Rússia.
Os estadunidenses perceberam a intenção do Irã, e deslocaram dois porta-aviões de ponta para o Mar Mediterrâneo, numa demonstração de força. Por sua vez, os iranianos já alertaram a Israel de
que não vão tolerar uma incursão de tropas em Gaza.
Estado palestino
As massivas manifestações populares em todo o Oriente Médio, condenando os bombardeios de Israel em Gaza, forçam os governos árabes a sair de sua posição de indiferença e acomodação em relação à causa palestina.
A cúpula do Cairo (21 e 22 de outubro), que reuniu governos árabes, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e representantes dos principais países da Europa, evidenciou o desconforto dos governantes do Oriente Médio com a ofensiva militar israelense. É cada vez mais óbvia a necessidade de uma resposta política para o conflito, que passa pela formação de um Estado palestino, dívida que se arrasta desde 1947.
Some-se a isso a pressão exercida pela ONU, exigindo a entrada de ajuda humanitária, e as denúncias do massacre israelense em Gaza, que já vitimou mais de 5 mil palestinos, dos quais 40% são crianças. As imagens chocantes dos bombardeios contra civis levaram milhares de pessoas às ruas em todo o Mundo, condenando Israel.
Biden e Netanyahu na corda bamba
Para desespero de Biden e Netanyahu, o conflito deixou de ter contornos meramente localizados e regionais, entre Israel e o Hamas, tornando-se o centro do noticiário midiático internacional, ofuscando inclusive a Guerra da Ucrânia.
Isso força a União Europeia e a administração Biden a pedirem moderação ao governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu. Biden sabe que qualquer erro pode comprometer sua reeleição, no próximo ano. Está na corda bamba entre satisfazer o lobby sionista, de forte influência nos EUA, e um desastre humanitário que pode arranhar sua imagem com o eleitorado. É o que explica o adiamento da ofensiva terrestre de tropas israelenses contra Gaza.
Netanyahu também sofre pressões internas poderosas. Luta para sobreviver à baixa popularidade, depois das denúncias de corrupção e a tentativa de atacar a independência do Poder Judiciário.
Agora, a sociedade israelense também pede explicações sobre o despreparo do sistema de segurança nos episódios de 7 de outubro. Por sua vez, a base de apoio de Netanyahu, formada por ultra conservadores e partidos religiosos sionistas, exige o uso da força contra os palestinos, uma espécie de vingança a qualquer preço.
Decadência do Império
O unilateralismo americano abriu as portas às alternativas não-americanas no Oriente Médio, inclusive a recente aproximação entre a Arábia Saudita e o Irã, trabalhada pela China. Os objetivos dos EUA (acesso ao petróleo, estatuto preferencial de Israel, preservação do status quo geopolítico) são contrários aos interesses da região.
A política americana contemporânea para o Oriente Médio é incoerente e irrealista. Incoerente por tentar arranjar alianças com Estados em lados opostos no problema fundamental da Palestina. Irrealista porque se agarra a um status quo na região que está condenado ao fracasso.
Esta mesma política revela-se desastrosa, quando se trata de atuar no terreno militar. Depois de invadir o Iraque, ao atropelo da Carta da ONU e às convenções de Haia e Genebra, os EUA provocaram mais de 100 mil mortes, mas tiveram que recuar em 2010. Algo semelhante aconteceu na invasão do Afeganistão, do qual os estadunidenses saíram desmoralizados em 2021. (Foto: AP – Hassan Eslaiah)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)