Estudo revela o perfil dos disseminadores de notícias falsas sobre vacinas no Brasil

Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) identifica os principais vetores de desinformação sobre vacinas no Brasil. Segundo levantamento evangélicos e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro demonstraram maior propensão a compartilhar informações falsas sobre vacinas

 

 

A disseminação de informações incorretas, as famosas “Fake News”, representam uma das maiores ameaças à saúde global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A pandemia de covid-19 demonstrou um triste e trágico exemplo sobre os efeitos desse problema. Agora, com o avanço de 28% das internações verificado no estado de São Paulo, os governos fazem um esforço para aumentar a cobertura vacinal, conforme 34% da população paulista nunca se vacinou com uma dose de reforço.

Conforme estudo publicado na revista Nature Human Behaviour mostrou que, nos Estados Unidos e no Reino Unido, pessoas expostas a informações incorretas (misinformation, em inglês) tinham menor intenção de se vacinarem contra o coronavírus em comparação com os participantes do grupo, que não foi exposto a nenhum estímulo. No Brasil, um estudo realizado em maio de 2021 pela equipe de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) revelou que simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro tinham menor intenção de se imunizarem com a vacina chinesa CoronaVac devido às informações falsas difundidas pelo ex-presidente.

A vacina CoronaVac foi fundamental na proteção de milhões de brasileiros, sendo responsável por cerca de 80% das doses aplicadas nos primeiros três meses de vacinação em 2021. Assim como o mosquito Aedes aegypti é o principal vetor da dengue, algumas pessoas também são vetores inconscientes na transmissão de informações erradas sobre vacinas, especialmente com o aumento exponencial da disseminação dessas informações por meio de plataformas digitais e aplicativos de mensagens instantâneas.

Para entender melhor quem compartilha notícias falsas sobre vacinas no Brasil, o Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da Universidade de Brasília (CPS/UnB) realizou um estudo inédito. Os resultados preliminares serão divulgados durante o 2º Seminário “A desinformação científica como um problema público transnacional” em 7 de novembro de 2023 na Faculdade de Comunicação da UnB. Contudo, alguns resultados já estão disponíveis.

Um estudo feito nos Estados Unidos sugere que pessoas com orientação conservadora e indivíduos idosos compartilhem e debatam entre si as notícias que atingem seus grupos de influência mais próximos.

 

E no Brasil? Quem são as pessoas que compartilham notícias falsas, mais especificamente sobre as vacinas?

Em agosto, um questionário online foi aplicado a uma amostra nacional de 1.845 pessoas, escolhidas com base em critérios de gênero, idade, região e classe social. A pesquisa revelou que 38% dos entrevistados compartilhariam ao menos uma das “notícias” falsas sobre vacinas. Além disso, 8% compartilhariam cinco delas ou todas as seis notícias falsas. Foi perguntado aos participantes se eles compartilhariam ou não 12 “notícias” sobre vacinas. Assim como em outros estudos sobre esse assunto, foram usados apenas os títulos para indicar o conteúdo dessas “notícias”.

Seis delas eram verdadeiras e seis eram falsas: mas isso não foi informado antecipadamente aos respondentes. Notícias falsas diziam, por exemplo, que “Nova vacina tem chip para controle populacional” ou que “Tratamento ‘detox vacinal’ reverte efeitos da vacinação”. “Se fosse possível unir todas essas características num só indivíduo, poderíamos dizer que ele teria entre 35 e 44 anos de idade e educação inferior ao ensino médio, pertenceria às classes D ou E e seria evangélico (não foram registradas diferenças entre os gêneros). Além disso, seria um indivíduo que acredita que estar exposto naturalmente às doenças é mais seguro do que se vacinar e que acha que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi bom ou ótimo”, disse Wladimir Gramacho, coordenador do CPS da FAC/UnB.

De nenhum modo, ter esses atributos transforma uma pessoa num vetor de informações falsas, salienta ele. “Esse comportamento também existe em outras classes sociais, idades, níveis de educação, religiões e atitudes vacinais e políticas – ainda que seja menos frequente, segundo os dados de nossa amostra”, explicou. Esses resultados convergem com estudos anteriores que relacionam o compartilhamento de desinformação a indivíduos com inclinações conservadoras. No entanto, no Brasil, contrariando a tendência mundial, não são os idosos, mas indivíduos entre 35 e 44 anos que estão mais propensos a disseminar informações incorretas sobre vacinas. Isso pode ser explicado pelo fato de que gerações mais antigas testemunharam o sucesso das campanhas de vacinação contra doenças como varíola e poliomielite e, portanto, têm mais confiança nas vacinas.

Outros dados revelaram que pessoas com baixa escolaridade e pertencentes às classes sociais D e E compartilham mais informações incorretas sobre vacinas do que aquelas com maior escolaridade e renda. “O resultado apoia uma das explicações frequentemente utilizadas para esse compartilhamento: a de que muita gente não consegue distinguir as informações corretas das incorretas, o que seria mais comum entre pessoas que estudaram menos”, diz Gramacho.

Além disso, evangélicos e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro demonstraram maior propensão a compartilhar informações falsas sobre vacinas. O apoio de lideranças evangélicas ao ex-presidente, assim como a rede criada em torno dos fieis de uma crença seriam boas hipóteses para este perfil se destacar. O estudo também apontou que usuários intensivos do TikTok e do Telegram eram mais propensos a compartilhar essas notícias falsas, o que representa um desafio significativo na luta contra a desinformação.

Além de identificar os perfis das pessoas que compartilham notícias falsas sobre vacinas no Brasil, a pesquisa também revelou como os hábitos de mídia desempenham um papel crítico na disseminação dessas informações incorretas. Os dados fornecem informações valiosas sobre como a escolha de fontes de informação pode influenciar a propagação de desinformação e as medidas necessárias para enfrentar esse desafio. Um dado preocupante destacado no estudo é que usuários intensivos das plataformas TikTok e Telegram compartilhariam, em média, 1,82 e 1,75 “notícias” falsas, respectivamente. Isso equivale a cerca de 30% do conteúdo falso sobre vacinas que recebem. Esse resultado ressalta a importância de se dedicar uma atenção especial a essas plataformas, bem como aplicativos de mensagens, quando se trata de combater a disseminação de informações incorretas sobre vacinas.

A recomendação do estudo é que seja realizado um estudo mais aprofundado com o objetivo de desenvolver intervenções que reduzam a circulação de informações falsas sobre vacinas nessas plataformas, sem comprometer a liberdade de expressão dos usuários. Isso é particularmente desafiador, uma vez que essas plataformas digitais têm um alcance significativo e são frequentemente utilizadas para compartilhar informações relacionadas à saúde.

O estudo também enfatiza que enfrentar a disseminação de informações incorretas sobre vacinas não é uma tarefa simples e não tem solução fácil. Isso envolve a identificação e intervenção em todos os elos da cadeia, desde os produtores de conteúdo falso até os indivíduos que compartilham e aqueles que acreditam nessas informações, mesmo que não as compartilhem. Além disso, o combate à desinformação depende da compreensão dos motivos que levam à hesitação vacinal em relação a diferentes vacinas, como sarampo, HPV ou covid-19.

O estudo ressalta que é fundamental fortalecer a construção do conhecimento científico sobre os atores envolvidos e desenvolver intervenções eficazes para lidar com o problema crescente da desinformação sobre vacinas no Brasil. Caso não enfrentemos de forma adequada a criação e a disseminação dessas informações incorretas, podemos desperdiçar décadas de progresso científico que nos livraram de doenças e permitiram que vivêssemos vidas mais saudáveis e longas.

Em última análise, a superação da pandemia de COVID-19 e o êxito das campanhas de imunização dependem da aceitação da vacinação pela população, e este estudo oferece insights valiosos sobre como abordar a complexa questão da desinformação em saúde pública. Enfrentar a disseminação de informações incorretas sobre vacinas não é tarefa simples, mas é crucial para o progresso na luta contra a covid-19. Isso requer a identificação e intervenção em diferentes atores, incluindo produtores de conteúdo falso, indivíduos que compartilham essas informações e aqueles que acreditam nelas, mesmo que não as compartilhem.

Além disso, é essencial compreender os motivos que levam à hesitação vacinal em relação a diferentes vacinas. A construção de conhecimento científico sobre esses atores e a implementação de intervenções eficazes são fundamentais para lidar com o problema crescente da desinformação sobre vacinas no Brasil. Se as informações erradas não forem enfrentadas e coibidas adequadamente, o Brasil corre o risco de desperdiçar décadas de progresso científico na erradicação de doenças e na promoção da saúde pública. A superação da pandemia de covid-19 depende da aceitação da vacinação pela maioria da população, e esses estudos revelam os desafios a serem enfrentados para alcançar esse objetivo.

 

Quantidade de notícias falsas sobre vacinas compartilhadas pelos participantes da pesquisa — Foto: Reprodução/Conversation Brasil

 

Média do número de notícias falsas sobre vacinas que seriam compartilhadas de acordo com veículos de informação — Foto: Reprodução/Conversation Brasil

 

 

(Foto: Julia Prado/MS)

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