Ruralista que enviou 16 ônibus para atos golpistas em Brasília, fica calado na CPMI

No total, 272 caminhões integraram comboios golpistas e violentos a Brasília desde 4 de novembro. Desses, 72 partiram da cidade de Sorriso, no Mato Grosso, onde mora o “pai da soja” Argino Bedin, sendo que 16 deles estão em seu nome ou de integrantes da sua família

 

Conhecido como o “pai da soja”, o empresário ruralista Argino Bedin, investigado por suspeita de financiar os ataques golpistas a Brasília no dia 8 de janeiro, ficou em silêncio na oitiva desta terça-feira (3). Ele foi beneficiado por um habeas corpus concedido pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), garantindo o direito de permanecer calado para evitar autoincriminação.

Militante e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Badin é o 20º depoente a comparecer à comissão. O latifundiário é sócio de pelo menos nove empresas. Em 12 de novembro, teve as contas bloqueadas por decisão do ministro Alexandre de Moraes. Com a garantia legal, o depoente, de 73 anos, não respondeu a perguntas. As poucas que a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, lhe dirigiu, obteve como resposta a mesma frase: “Vou exercer meu direito de ficar calado”. A parlamentar então decidiu não perguntar mais e apresentou diversas informações relacionadas ao “pai da soja” sobre sua participação no 8 de janeiro.

Na posse de um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a relatora revelou que o ruralista está na relação dos empresários financiadores do 8/1. O relatório da Abin aponta que 72 caminhões enviados a Brasília, e que bloquearam estradas nos dias imediatamente depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 30 de outubro, partiram do pequeno município de Sorriso, de 70 mil habitantes, de onde é Argino Bedin (foto ao lado). Ele nasceu no Rio Grande do Sul, foi criado no Paraná e chegou a Sorriso em 1979.

Dos 72 veículos de Sorriso, 16 eram do próprio empresário ou relacionados a integrantes de sua família, afirmou Eliziane, a partir do relatório. No total, 272 caminhões integraram comboios a Brasília desde 4 de novembro, dos quais 93% eram provenientes de quatro estados: Mato Grosso, Bahia, Goiás e Paraná. “Esse relatório da Abin aponta 272 caminhões que foram direcionados para cá, dos quais, 72 caminhões vieram da cidade de Sorriso, da sua cidade. Cinco destes veículos estão em seu nome e mais 11 de seus familiares”, apontou.

Eliziane disse que teve acesso a uma série de alertas e relatórios que foram emitidos pela Abin sobre bloqueios em rodovias de todo o Brasil. “No dia 5 de novembro, a Abin faz um alerta de que 180 caminhões originados da cidade de Sorriso já estavam se direcionando para Brasília. No dia 19 de novembro, houve tentativa de explosão da BR-174 em Comodoro, em Mato Grosso, com a intenção de danificar a rodovia, destruindo um duto que passa sob o trecho”, complementou.

A relatora também apontou transações financeiras suspeitas. Um relatório de inteligência financeira (RIFs), que se encontra na CPMI, revelou que o grupo Bedin recebeu R$ 4 milhões do grupo BMP Participações, ligado a empresário e fazendeiro de Sinop (MT) e ligado ao PL, partido de Bolsonaro. “No RIF de Bedin, há uma transferência de R$ 86 mil ao PL, mas não há esse registro no Tribunal Superior Eleitoral, claramente uma transferência não declarada à Justiça Eleitoral”, explicou Eliziane.

Por fim, a senadora citou em sua fala a Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja), parceira do Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), ambos acusados de serem parceiros na articulação dos atos antidemocráticos no último dia 8 de janeiro e também nos comboios golpistas de caminhões de novembro. A principal liderança do MBVA é Antônio Galvan, também presidente da Aprosoja.

Segundo o deputado Rogério Correia (PT-MG), RIFs do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) registram que Roberta Bedin, filha do depoente à CPMI, teria movimentado R$ 19,6 milhões no período em que aconteceram os bloqueios das estradas. Argino Bedin movimentou R$ 1,9 milhão, montante de “origem não claramente conhecida”, disse o deputado.

Após exibição de um vídeo, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) observou que os caminhões que saiam de Sorriso estavam com faixas nos vidros com a frase: “intervenção federal já”. “Essa é a reivindicação desses caminhões que saíram da terra dele, Sorriso, e se juntaram a outros tantos, até porque foi dessa região que a grande maioria dos caminhões saíram”, disse a deputada.

A líder do PCdoB na Câmara lembrou também que o ruralista concedeu entrevista apoiando a ditadura militar de 1964. “Quem não gosta de ditadura é quem não gosta de tortura, quem não gosta de violência ao Estado democrático de direito, quem não gosta de morte de pessoas que lutavam pela liberdade e que até hoje estão desaparecidas, para o choro e a dor das famílias que perderam seus entes queridos”, afirmou.

Em sua intervenção, o deputado Carlos Veras (PT-PE) lembrou ao depoente que “foi o Supremo que o senhor ajudou a ser atacado que lhe deu o direito de ficar calado”. Em seguida, o parlamentar perguntou qual a avaliação dele sobre os atos golpistas do dia 8 de janeiro. Em resposta, o “pai da soja” disse: “vou exercer meu direito de ficar calado”.

Antes de começar o depoimento de Argino Bedin, a CPMI rejeitou, por 14 votos a 10, requerimento do deputado bolsonarista Delegado Ramagem (PL-RJ), para convocar Sandro Augusto Sales Queiroz, da Força Nacional (FN), para falar de sua atuação do 8 de janeiro. A rejeição do requerimento foi uma derrota da oposição bolsonarista, que queria o membro da FN para fazer barulho contra o governo Lula e alimentar suas redes sociais.

(Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

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