À Policia Federal, o ex-ajudante de ordens do ex-presidente afirmou que o então chefe estava preocupado com a vida financeira e multas para pagar. Valor da venda ilegal seria de US$ 68 mil. O depoimento contradiz Bolsonaro, que tem negado recebimento de dinheiro referente à venda de joias
Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid confirmou para a Polícia Federal que entregou, “em mãos”, o dinheiro proveniente da venda de presentes de luxo recebidos pelo governo do ex-capitão. A afirmação é da revista Veja, que disse ter tido acesso aos depoimentos dados pelo coronel após assinar um acordo de delação premiada que o libertou da prisão em 9 de setembro, após 4 meses preso.
Antes de ser solto, ele prestou depoimentos à Polícia Federal (PF) e confessou sua participação em dois casos investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a falsificação de cartões de vacinação e a tentativa de vender joias, relógios, canetas e outros presentes recebidos de outras nações por Bolsonaro durante o governo do ex-presidente. No caso da venda de joias, o coronel admitiu ter participado da venda de dois relógios de luxo – um Patek Philippe e um Rolex – recebidos pelo ex-presidente e confirmou ter repassado o dinheiro obtido no negócio a Bolsonaro.
A venda total teria sido no valor de US$ 68 mil, entregue de forma parcelada, com uma parte repassada nos Estados Unidos e outra no Brasil para Bolsonaro. A transação, realizada na surdina nos EUA, foi descoberta pela Polícia Federal, logo após o ex-mandatário viajar ao país, no fim do ano passado, acompanhado de Cid e levando na bagagem dois kits de joias. De acordo com os investigadores, embora pertencesse ao Estado Brasileiro, o relógio Patek vendido, por exemplo, sequer chegou a ser registrado no setor responsável pelo recebimento de presentes. Para a PF, Bolsonaro criou uma estrutura para desviar os bens públicos de alto valor para enriquecimento ilícito.
“O presidente estava preocupado com a vida financeira. A venda pode ter sido imoral? Pode. Mas a gente achava que não era ilegal”, disse Cid em depoimento.
Segundo a transcrição do relato, Cid detalhou que o dinheiro da venda dos relógios foi depositado na conta de seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid, amigo do ex-presidente na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Logo depois, o montante foi sacado e o ex- presidente Jair Bolsonaro recebeu “em mãos”. O ex-mandatário, declarado inelegível, tem negado o recebimento de dinheiro referente à venda ilegal de joias. Sua defesa também argumenta que os presentes podem ser classificados como “personalíssimos”. E por isso faziam parte do acervo pessoal do então chefe do Executivo, que poderia comercializá-los.
Com relação aos cartões de vacinação, Cid assumiu a responsabilidade por tentar fraudar os registros do Ministério da Saúde ao emitir documentos que atestavam que ele, a mulher e as filhas haviam recebido os imunizantes contra a Covid-19. De acordo com o militar, a ideia é ter uma espécie de ‘salvo-conduto’ para ser usado caso a família fosse alvo de eventuais perseguições depois de terminado o governo.
Golpe
O ex-ajudante de ordens também precisou dar explicações sobre um roteiro de teor golpista encontrado em seu celular que dizia sobre a anulação das eleições do ano passado, a uma intervenção no Supremo Tribunal Federal (STF) e à convocação de uma nova eleição. Na delação, de acordo com a revista, Cid afirmou que, pelas funções que exercia, seu telefone canalizava incontáveis mensagens sobre diversos assuntos, e mais de uma pessoa lhe encaminhou planos mirabolantes. “Eu recebia um monte de besteira nesse sentido, de gente que defendia intervenção, mas não repassava para o presidente. Qual o valor daquele texto encontrado no meu celular?”, disse.
O coronel agora precisa seguir uma série de exigências, entre elas usar tornozeleira eletrônica, permanecer em casa durante a noite e nos fins de semana e comparecer semanalmente à Justiça de Brasília.
A delação de Cid é referente ao inquérito das milícias digitais, que apura a existência de uma organização criminosa que teria a finalidade de atentar contra o Estado Democrático de Direito, e investigações conexas, como a que apura o desvio de joias e presentes de governos estrangeiros na gestão Bolsonaro. O ex-ajudante de ordens estava preso desde o dia 3 de maio, acusado de fraudar cartões de vacinação dele, de sua família e de Bolsonaro e a filha. No sábado (9), o acordo de colaboração foi homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que determinou a liberdade provisória de Cid. O depoimento vem causando repercussão em Brasília, dada a proximidade entre Cid e Bolsonaro. Nesta semana, Moraes negou à defesa do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro o acesso ao depoimento.
(Foto: Reprodução)