Iniciativa estabelece regras para diferenciar os produtos de origem biológica destinados a combater pragas e doenças no campo dos agrotóxicos. Texto será submetido a turno suplementar de votação na CMA e, em seguida, pode ir direto para a Câmara
Foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, na quarta-feira (13), a criação do marco regulatório para os bioinsumos no Brasil — produtos e tecnologias de origem biológica (vegetal, animal, microbiana e mineral) para combater pragas ou doenças e melhorar o desenvolvimento das plantas. O Projeto de Lei (PL) 3.668/2021 busca a transição do uso de agrotóxicos para o uso de bioinsumos, que são naturais. O projeto vai a turno suplementar na própria CMA. Caso se confirme sua aprovação, será enviado à Câmara dos Deputados, exceto se houver recurso de um décimo dos senadores para ser analisado em Plenário.
De autoria do líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), o PL 3.668/2021 será submetido ainda a uma segunda votação na CMA (turno suplementar). Em seguida, poderá ser enviada diretamente para a Câmara dos Deputados, caso não haja recurso para votação em Plenário. O senador comemorou o acordo firmado na CMA, que permitiu a aprovação do texto após ampla negociação, sob aplausos. “Foram várias semanas de idas e vindas, e tem que ser assim mesmo, porque é matéria nova e complexa a regulamentação dessa questão tão importante dos bioinsumos, que cumpre e cumprirá cada vez um papel mais importante na vida da agricultura brasileira e mundial”, destacou Jaques.
Atualmente enquadrados na legislação como agrotóxicos, os bioinsumos passam a receber tratamento diferenciado a partir do projeto de Jaques Wagner, que regulamenta a produção, a comercialização, o registro, a fiscalização e a pesquisa desse tipo de produto para uso na agricultura, inclusive os produzidos pelo agricultor exclusivamente para uso próprio. Conforme levantamento da Korin Agricultura e Meio Ambiente, o setor de bioinsumos movimenta perto de R$ 1 bilhão por ano no Brasil, já colabora com mais de 50 milhões de hectares na produção agrícola e está crescendo significativamente – o registro de bioinsumos no Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento passou de 107 produtos em 2013 para 433 em 2023.
Projeções da Kynetec, especialista em pesquisa de mercado em saúde animal e agricultura, estimam que o setor de insumos biológicos ultrapasse o patamar de US$ 8 bilhões em nível mundial em 2025. O uso de bioinsumos no Brasil, especialmente na proteção de cultivos, poderá passar de 2,6% para 20% no período, com potencial de faturamento anual de R$ 2 bilhões.
Produtores
O texto faz distinção entre três tipos de produtores de bioinsumos: as biofabricas comerciais; as biofabricas on farm; e as unidades de produção. Para essa divisão, foram levados em consideração critérios como a finalidade do bioinsumo (se para uso próprio ou comercial), a escala da produção e o risco ao meio ambiente. Os locais que produzem ou importam os insumos biológicos para fins comerciais são chamados de “biofábricas comerciais”. Em audiência pública realizada ano passado, representante de empresa do setor defendeu o marco regulatório por agilizar as concessões de registros por parte de órgãos regulatórios para esse mercado.
O projeto cria outras categorias para os produtores que não buscam fins comerciais, ou seja, que produzem para consumo próprio. Entre eles estão as biofábricas on farm, em que a multiplicação dos microrganismos ocorre na própria propriedade em que será utilizada como bioinsumo. Ocorre, por exemplo, em fazendas que preferem fabricar seus próprios biofertilizantes ao invés de comprar mais caro a preço de mercado. As biofábricas on farm devem utilizar exclusivamente organismo classificado, ou seja, que foi identificado em laboratório e aprovado previamente para uso. Também devem ser munidas de equipamentos e instalações que permitam o controle de qualidade e a segurança sanitária.
Finalmente, o projeto reconhece as “unidades de produção de bioinsumos”, também de consumo próprio, que utilizam organismos de ocorrência natural com possibilidade de uso complementar de outros produtos. O texto relaciona essa categoria a produtores menores, como agricultores familiares. Entidades representantes das biofábricas on farm e de unidades de produção de bioinsumos, durante os debates realizados no Senado sobre o tema, demonstraram preocupação com as regras a serem aplicadas a elas, que poderiam “burocratizar” a fabricação para consumo próprio.
O projeto prevê regras e exigências diferentes para cada tipo de produtor de bioinsumos. Para as biofábricas comerciais, é necessário registro em órgão federal responsável por temas de agricultura tanto para o estabelecimento quanto para seus produtos. O registro do estabelecimento conterá informações sobre a finalidade da produção, a origem do material biológico utilizado e as características dos bioinsumos que serão produzidos ou importados, entre outros dados.
As biofábricas comerciais também devem apresentar uma série de requisitos para o funcionamento, como manter registros auditáveis do processo de produção e a obrigação de participar de ensaios laboratoriais credenciados pelo Ministério da Agricultura. Quanto aos produtos dessas fábricas, devem ser registrados previamente no órgão de agricultura federal competente, além de observar exigências dos órgãos federais de saúde e meio ambiente, de acordo com o tipo de produto e seu nível de risco.
Para as biofábricas on farm, será exigido um cadastro simplificado da propriedade no órgão federal de agricultura. Caso o proprietário possua mais de uma terra que produz o bioinsumo, deverá fazer um cadastro distinto para cada local. Elas não precisarão registrar previamente os bioinsumos gerados, mas um futuro regulamento pode exigir a apresentação de responsável técnico credenciado. A produção pode ocorrer na modalidade individual ou em cooperativas e associações.
O comércio dos bioinsumos gerados pelas on farm é vedado. O texto prevê punições e a obrigação de seguir as mesmas regras das biofábricas comerciais. As unidades produtoras de bioinsumos possuem regras ainda mais simplificadas. Não precisam se registrar ante o governo e, no caso da agricultura familiar, também não precisa registrar ou cadastrar os bioinsumos gerados. O uso de equipamentos de controle de qualidade só será exigido se necessário.
Elas podem desenvolver sua produção na forma de associação de produtores e da agricultura familiar, como consórcio rural, condomínio agrário ou congêneres. Também devem observar a vedação ao comércio, com as mesmas punições previstas para as biofábricas on farm.
Penalidades
O texto prevê cinco diferentes sanções administrativas para as infrações ao texto do projeto: advertência; destruição do produto; suspensão de atividade, registro ou cadastro; cassação de registro ou cadastro; e multa. O valor da multa pode variar de R$ 100 a R$ 300 mil.
A proposta determina que o Executivo promova ajustes nas normas fiscais e tributárias que proporcionem estímulo à pesquisa, desenvolvimento, produção e comercialização de bioinsumos na agricultura. Também está previsto que subsídios, isenções e outros estímulos econômicos, financeiros e tributários sejam aplicados à indústria nacional.
Serão priorizadas, nesse caso, as micro, pequenas e médias empresas e cooperativas da agricultura familiar produtoras de bioinsumos. Por exemplo, o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) aplicará taxas de juros diferenciadas para produtores e agricultores familiares que utilizarem bioinsumos. As comunidades tradicionais também terão políticas públicas que incentivarão a produção desses produtos.
Comissão Técnica
O projeto estabelece uma Comissão Técnica dos Bioinsumos, de caráter deliberativo e permanente, para definir os parâmetros técnicos que darão base à regulamentação e especificidades futuras. Ela será composta por no mínimo oito servidores de órgãos federais que lidam com agricultura, saúde e controle ambiental. A comissão será subsidiada por um Conselho Estratégico dos Bioinsumos, de caráter consultivo e permanente, que também auxiliará diferentes setores responsáveis pela regulamentação e registro de bioinsumos.
(Foto: Roque de Sá/Agência Senado)