Após marcharem pela resistência em 2019, Margaridas voltam à Brasília pela reconstrução do País

Coordenação da Marcha das Margaridas, que acontece em agosto, na capital federal, destaca que a mobilização deste ano é de esperança, com o lema de “Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver”. Pauta com reivindicações foi entregue ao governo e reuniu a maior número de ministros já registrado na história da Marcha. Há quatro anos, o governo anterior não recebeu as Margaridas, que marcharam em protesto e para mostrar resistência.

 

Thiago Vilarins – Brasília será palco da sétima edição da Marcha das Margaridas nos próximos dias 15 e 16 de agosto. Trata-se da maior ação política de mulheres da América Latina com protagonismo das mulheres do campo, da floresta e das águas, coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e 16 organizações parceiras. A expectativa do movimento, que acontece a cada quatro anos, é reunir na capital federal cerca de 150 mil mulheres que tomarão a Esplanada dos Ministérios pela retomada das conquistas e dos espaços institucionais perdidos nos últimos anos. A marcha deste ano tem como objetivo central a luta pela “Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver”.

“Margaridas de todos os estados brasileiros e de outros países já estão se organizando e se preparando para esse grande momento. São quatro anos de construção coletiva, de formação, de caravanas, de audiências públicas e de construção de propostas para coroar com a nossa grande marcha em Brasília”, destacou ao Opinião em Pauta a secretária nacional de Mulheres da Contag e coordenadora geral da Marcha das Margaridas, Mazé Morais.

“A nossa expectativa é muito grande. Até porque, em 2019, a gente não tinha nenhuma expectativa em relação ao governo. A gente não entregou nenhuma pauta naquele ano, porque não tinha sentido nenhum negociar com um governo que não queria tratar de nenhuma política e de qualquer questão relacionada a palavra ‘gênero’. Em 2019, a gente disse foi uma marcha da resistência, para demarcar e dizer que as Margaridas resistiam. Diferente desse ano, de 2023, que há uma expectativa muito grande. A gente está em um governo do campo democrático e popular. As Margaridas construíram uma pauta e a entregamos com a expectativa de que a gente vai ter um retorno, da retomada das políticas públicas, dos programas e dos espaços que a gente havia conquistado e que foram extintos, excluídos ou sucateados. Então, vamos marchar esse ano com a expectativa de retomada dessas políticas públicas e de criação de outras que a gente está propondo”, completou Mazé.

 

Marcha das Margaridas – agosto de 2019. (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

 

Diversidade

A Marcha das Margaridas congrega uma ampla diversidade de mulheres, incluindo camponesas, quilombolas, indígenas, cirandeiras, quebradeiras de coco, pescadoras, marisqueiras, ribeirinhas e extrativistas. Essas mulheres desempenham um papel fundamental na produção de alimentos saudáveis e na preservação dos biomas e dos saberes ancestrais. No entanto, muitas vezes são colocadas à margem e invisibilizadas. Neste ano, a expectativa é que 150 mil mulheres estejam presentes na marcha, unidas em busca da reconstrução do Brasil e por um modo de vida sustentável e harmonioso, o Bem Viver.

Há aproximadamente um mês, o Governo Federal reuniu 13 integrantes do primeiro escalão federal, sendo a maior quantidade de ministras e ministros já registrada na história da Marcha das Margaridas, para receber a pauta de reivindicações das mulheres camponesas, entregue por Mazé Morais. No mesmo dia, 21 de junho, foi entregue a Pauta voltada ao Legislativo para o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira.

A pauta entregue pela coordenadora é orientada por 13 eixos, entre os quais destacam-se o fortalecimento das trabalhadoras rurais; o protagonismo (e visibilidade) à contribuição econômica, política e social das mulheres do campo; a crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico a partir de uma perspectiva feminista; e a luta pelo aperfeiçoamento e consolidação das políticas públicas voltadas às mulheres do campo, da floresta e das águas, nas esferas municipal, estadual e federal.

O diálogo entre a coordenação da marcha e o governo está sendo conduzido pela Secretaria-Geral da Presidência, bem como pelos ministérios das Mulheres e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Essa agenda transversal com os demais ministérios do governo tem o intuito de buscar respostas concretas para as demandas das mulheres durante o evento em agosto.

“São temas grandiosos e que, agora, estamos em um processo de negociação. A ideia é que o governo possa apresentar o retorno dessa pauta.  A gente traz, também, essa questão da proteção da natureza com justiça ambiental e climática. São pautas que não são específicas das mulheres, mas que impactam, se respondidas, de forma muito positiva na vida da sociedade”, enfatizou Mazé.

 

Coordenadora geral da Marcha das Margaridas, Mazé Morais: “A Marcha de 2019 foi a da Resistência. Este ano é a Marcha da Esperança e da Reconstrução do Brasil, da retomada das políticas públicas e das nossas conquistas…” (Foto: Júlia Seabra)

Confira a entrevista que a reportagem do Opinião em Pauta fez com a secretária nacional de Mulheres da Contag e coordenadora geral da Marcha das Margaridas, Mazé Morais sobre a organização, negociações, expectativas, formação e captação de recursos da maior mobilização de mulheres do campo e das cidades da América Latina:

 

A Marcha das Margaridas é considerada a maior mobilização de mulheres do campo e das cidades da América Latina. Em cada edição há um lema que simboliza o momento político e as lutas que estas mulheres atravessam e reivindicam. Qual é o recado que a marcha traz esse ano?

O lema desse ano é ‘Margaridas em Marcha pela Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver’. Para nós esse ano, além da importância, é de uma expectativa muito grande. A gente diz que cada Marcha é singular, é única, porque ela, realmente, acontece em um contexto diferente uma da outra. E esse contexto de 2023 é de muita esperança. As mulheres estão voltando a acreditar no Brasil, em várias questões, por isso essa Marcha da Reconstrução, da retomada das conquistas, dos programas, dos espaços institucionais. Então há uma esperança muito grande, uma expectativa muito grande em todas nós mulheres nessa marcha desse ano.

 

E como está sendo o diálogo entre a coordenação da marcha e os atores políticos aqui em Brasília?

Nós entregamos a nossa pauta ao governo no dia 21 de junho, ou seja há quase um mês. E o desejo é de que no encerramento da Marcha, a gente tenha a resposta do Governo Federal em relação as nossas reivindicações. Porque são pautas importantes que impactam de forma positiva na vida da classe trabalhadora, não só da mulher do campo, da floresta e das águas, mas, também, do conjunto dos movimentos, do conjunto da sociedade. Então, há essa expectativa muito grande nossa de ter respondidas essas pautas que entregamos no mês passado ao executivo e ao legislativo.

 

Quais são os pontos mais importantes desta pauta e quais as sinalizações que vocês já tiveram do governo e do Congresso?

A gente construiu a nossa pauta em cima de 13 grandes eixos e eu posso citar alguns deles que se destacam mais. E o governo já está trabalhando neles, assim como todos os ministérios, sobretudo, aqueles que têm mais a ver com a nossa pauta, para anunciar as respostas no dia 16 de agosto. Então, por exemplo, a gente está trazendo pauta que é sobre a questão da alta determinação dos povos com soberania alimentar hídrica e energética. Essa questão climática no nosso país. A gente está discutindo a questão da saúde, da previdência, assistência social pública, universal e solidária, que não tem a ver só com a vida das mulheres do campo. A gente traz o tema sobre o direito de acesso ao uso social da biodiversidade e defesa dos bens comuns. A gente traz isso muito forte, também. Nossa pauta também é sobre a questão da educação pública, não sexista, antirracista, ao direito a educação no campo e do campo. A gente traz a questão, também, da vida saudável com a agroecologia e a discussão da comida de verdade. Agroecologia, soberania e segurança alimentar e nutricional.  O Brasil está de volta ao mapa da fome, então as Margaridas pautam muito essa questão da alimentação saudável, da comida de verdade, sem agrotóxico, sem veneno. A gente traz, ainda, a questão da autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda, porque é isso que a gente quer. Nós sabemos que as mulheres produzem e produzem muito e precisam ser valorizadas, precisas ser organizadas, tanto a produção quanto a comercialização, para garantir também a renda e a autonomia dessas mulheres. Uma outra pauta nova que a gente traz, que é muito importante, é a questão da universalização do acesso à internet e inclusão digital no campo, porque somos nós mulheres que estamos nos lugares mais longes de acesso, não só à saúde, à educação, mas, também, à essa questão da inclusão digital.

 

Muitas pautas novas, mas o tema do combate à violência contra as mulheres, presente nas pautas das marchas anteriores, também tem destaque nessa edição?

Com certeza. É um dos temas que está sempre em voga. Outro tema, também, que que está sempre presente é a democratização do acesso à terra, a garantia dos direitos territoriais, maretórios, porque a nossa luta pela terra é muito grande, desde as primeiras marcha,  assim como o tema da violência, também. Então, são temas grandiosos que estão na nossa pauta e que a gente entregou e que estamos em um processo de negociação com o governo. E a ideia é que o governo possa apresentar o retorno dessa pauta.  A gente traz, também, essa questão da proteção da natureza com justiça ambiental e climática. São pautas que não são específicas das mulheres, mas que impactam se respondidas, de forma muito positiva na vida da sociedade.

 

A Marcha das Margaridas é realizada a cada quatro anos, coincidindo, sempre, com o inicio do mandato do presidente da República recém-eleito e da nova legislatura no Congresso. Qual a comparação que você faz, em relação à expectativa, entre a última marcha e a atual?

A expectativa, agora, é muito grande, até porque, em 2019, a gente não tinha nenhuma expectativa em relação ao governo. A gente não entregou nenhuma pauta naquele ano, primeiro, porque não tinha sentido nenhum negociar com um governo que não queria saber de qualquer questão relacionada a palavra ‘gênero’. Então, não existia expectativa em relação ao governo, de algum ponto positivo, até porque a gente não entregou. A gente construiu uma plataforma em 2019 e entregamos para a sociedade, dizendo que aquele era o modelo de sociedade que as Margaridas defendiam. Em 2019, a gente disse foi uma marcha da resistência, para demarcar e dizer que as Margaridas resistiam e estavam ali resistindo. Diferente desse ano, de 2023, que há uma expectativa muito grande. A gente está em um governo do campo democrático e popular. As Margaridas construíram uma pauta e a entregamos com a expectativa de que a gente vai ter um retorno, da retomada das políticas públicas, dos programas, das conquistas que a gente já havia conquistado, dos espaços que a gente havia conquistado e que foram extintos, excluídos ou sucateados. Então, vamos marchar esse ano com a expectativa de retomada dessas políticas públicas e de criação de outras que a gente está propondo, inclusive.

 

Em uma linha, pode-se dizer, então, que vocês passaram da resistência à esperança?

Exatamente, essa é a melhor definição. Agora é a Marcha da Esperança e a de 2019 foi a Marcha da Resistência. Este ano é a Marcha da Esperança e da Reconstrução do Brasil, da retomada das políticas públicas, das conquistas…

 

Uma das novidades da ultima edição da Marcha das Margaridas foi a criação do financiamento coletivo, uma espécie de “vaquinha virtual” para captar recursos complementares. Essa estratégia funcionou e ela se mantem neste ano?

Com certeza! Então, uma das estratégias da Marcha é a captação de recursos. Uma delas é a formação. Talvez, seja uma das principais, a formação e a captação de recursos. Porque a gente precisa fazer com que as mulheres venham para Brasília, sabendo porque que elas vêm marchar. Elas não podem vim para Brasília sem saber o que vem fazer. Então, a gente faz um processo de formação. E, outra coisa, encaminha paralelamente a isso, o processo de captação de recursos. Onde as mulheres, lá nas suas bases, vendem o ovo da galinha, fazem o bazar, fazem a feijoada, a macarronada, o bingo, a rifa… e a gente faz uma campanha, que realizamos pela primeira vez em 2019, de financiamento coletivo. E, nesse ano, a gente também fez. Então, a campanha nos ajuda a divulgar a Marcha, além de arrecadar para contribuir com a alimentação e acolher as mulheres aqui (em Brasília). Então, para doar, a campanha continua rolando, aproveito para reforçar que para doar, para fazer com que mais uma Margarida venha para Brasília, basta acessar www.marchadasmargaridas.org.br, onde está o nosso material e a nossa campanha. Para fazer a doação direta é  https://benfeitoria.com/projeto/marchadasmargaridas2023

 

Pela sua expectativa, quantas mulheres devem participar da Marcha deste ano?

Nossa expectativa é reunir bem mais de 100 mil mulheres em Brasília esse ano. Nós estamos muito animadas, porque há um desejo muito grande, não só das organizações parceiras, mas também de outras organizações que estão se somando com a gente nessa mobilização. E estamos aqui aguardando mais de 100 mil pessoas dia 15 e 16 de agosto para marcharmos. Dia 15 vai ter um processo grande no pavilhão do Parque da Cidade e dia 16 vai ter a marcha, em si, do Parque da Cidade até o Congresso Nacional.

 

(Foto principal: Lula Marques)

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