Quem conta a história é a jornalista Thaís Oyama, do UOL.
Nas redes sociais, chamam-no de gordo e outras derivações, espalham memes para ridicularizá-lo ou difamá-lo e volta e meia o ameaçam —recentemente um brasileiro que se identifica como instrutor de tiro nos EUA publicou um vídeo em que a foto do ministro da Justiça faz as vezes de alvo no seu estande, ao lado das imagens de Lula e Alexandre de Moraes.
Se as circunstâncias ajudaram a catapultar Dino ao duplo posto de ministro mais popular de Lula e inimigo número 2 do bolsonarismo (o 8 de janeiro deu-lhe o palco; as sabatinas no Congresso, as luzes), no governo, tudo isso junto produziu um efeito colateral.
Dino virou o “desmancha-rodinha” da Esplanada.
Tirando Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), com quem o ex-governador do Maranhão e ex-juiz federal militou no PCdoB antes de migrar para o PSB, o titular da Justiça não tem amigos entre os colegas de ministério.
Costuma estar cercado por desafetos —a maioria incomodada com o que considera ser um excesso de visibilidade e proativismo da sua parte. Camilo Santana é um deles.
Logo após o atentado que vitimou quatro crianças numa escola de Blumenau (SC), o ministro da Educação foi encarregado pelo presidente Lula de liderar um grupo de trabalho responsável por traçar uma estratégia de combate à violência nas escolas.
O atentado foi no dia 5 de abril e, antes que amanhecesse o dia 6, Dino já havia anunciado ações de governo em entrevista coletiva, reunindo-se à tarde com representantes de grupos, inclusive de estudantes, e informando de madrugada em suas redes sociais a abertura de um inquérito para investigar células neonazistas.
Numa discussão com Dino em altos decibéis, Camilo Santana acusou o colega de tê-lo “atropelado”.
Dino respondeu-lhe dizendo que não compactuava com “omissões”. Nas primeiras discussões que se seguiram ao atentado, Camilo Santana defendeu que o governo federal não deveria “trazer o problema para si”, já que a segurança nas escolas era de responsabilidade dos estados e municípios.
Por meio de sua assessoria, o titular da Educação negou ter “discordado da entrada do governo federal no apoio às ações de proteção ao ambiente escolar” depois do ataque de Blumenau.
Hoje, a relação entre os dois ministros é gélida.
Em junho, o tempo fechou com Ana Moser.
Na manhã do dia 3, um sábado, Dino foi surpreendido por um telefonema da ministra do Esporte.
Furiosa do outro lado da linha por saber que ele firmaria um convênio com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Moser mal se deu ao trabalho de dizer bom dia ao colega. Comunicou-lhe que estava ao lado do presidente Lula e iria colocá-lo no viva-voz.
Flávio Dino, então, ouviu Lula pedir-lhe, do ruidoso evento em que se encontrava em Brasília (um treino da seleção brasileira feminina de futebol), que desse “uma segurada” na assinatura do convênio até que ele fosse discutido com Moser. Contrariado, o ministro cancelou a assinatura da parceria por meio da qual o Ministério da Justiça cederia à CBF um sistema que acusa a presença de devedores ou fugitivos da Justiça tão logo um deles tente passar pela catraca de um estádio.
Dino diz não ter tempo para lidar “com essas coisinhas de fogo amigo”. Ex-meio-campista nas peladas que disputava nas praias de São Luís quando era estudante de direito, ele afirma que não consegue ver uma bola parada.
A maior furada do ministro pop com Lula
Das bolas em que Dino apostou e não entraram, uma já pode ser considerada histórica.
No tenso mês de março que antecedeu a prisão de Lula, em 7 de abril de 2018, Dino, na época governador do Maranhão, foi convidado a traçar os possíveis desfechos jurídicos que aguardavam o então ex-presidente.
Num salão em São Bernardo do Campo, diante do petista e de um grupo de sindicalistas, o ex-juiz federal começou discorrendo sobre o que é uma obsessão para ele até hoje: a “guerra híbrida”, como é chamada a forma de combate que visa a desestabilizar governos não por meio de armas, mas de táticas que incluem, por exemplo, “caçadas” jurídicas a alvos estratégicos.
Nesse contexto, afirmou Dino, o então juiz Sérgio Moro ao “perseguir” Lula, não se movia “pela própria vaidade”. Obedecia a um comando: o governo dos Estados Unidos, interessado em enfraquecer uma esquerda capaz de alinhar-se a adversários que ameaçam a sua hegemonia.
Como indícios desse conluio, Dino apontou as constantes viagens do magistrado aos Estados Unidos, a cooperação direta da Lava Jato com o Departamento de Justiça americano e os compartilhamentos “atípicos” de informações com aquele país promovidos pelos responsáveis pela operação (hoje, o ex-governador acrescenta à sua lista de indícios o fato de Moro “ter buscado abrigo numa empresa americana” depois de ter deixado o governo Bolsonaro, em 2020).
Para Dino, as ações contra Lula na Lava Jato não eram fatos isolados, mas parte de “uma construção em curso”, que já havia levado ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e que agora visava ao impedimento da eleição do ex-presidente.
Ao final da apresentação, Dino revelou qual seria, na sua opinião, o desfecho do processo contra Lula e como o petista deveria reagir a ele. Era altamente provável que Sergio Moro decretasse em breve a prisão do ex-presidente.
Diante disso, ele deveria resistir à ordem e pedir asilo numa embaixada.
Lula detestou a sugestão. “A leitura dele foi de que não se submeter à prisão equivaleria a uma admissão de culpa”, confirma Dino.
O ministro da Justiça não admite que sua sugestão tenha sido um erro. “Hoje, muita gente dirá que foi. Mas aquele momento era de dúvida e isolamento político. A busca do exílio seria uma alternativa legal diante de uma arbitrariedade —que eu acreditava que o Supremo reconheceria como tal, como de fato ocorreu, só que dois anos mais tarde”.
O ministro afirma, porém, que a escolha de Lula, de submeter-se à prisão em vez de resistir a ela, como ele defendeu que fizesse, acabou se revelando “melhor”.
Já sobre a tese de que Moro participou de uma trama arquitetada pelo governo dos Estados Unidos, Dino se diz mais convencido dela do que nunca. “Daqui a algumas décadas, a abertura dos arquivos americanos irá provar isso.” Publicamente, Lula já repetiu ao menos duas vezes a teoria do complô entre Moro e o governo americano na Lava Jato.
O “Vingador” contra o bolsonarismo
O titular da Justiça nunca teve tanto prestígio junto ao presidente como agora, reconhece um interlocutor frequente de Lula, integrante da área jurídica e pouco simpático ao ministro.
Diz que isso se deve, entre outras coisas, ao fato de o petista ver no ex-governador o único de seus colaboradores que “vai para o embate com o bolsonarismo” —nem que, para isso, acabe por vezes resvalando no pantanoso terreno do punitivismo.
Como na semana passada, quando determinou à Polícia Federal a “análise dos discursos” feitos durante um evento em defesa da flexibilização do uso de armas. Nele, o deputado Eduardo Blsonaro (PL-SP) comparou os “professores doutrinadores” que tentam levar alunos “para o mundo do crime” a traficantes de drogas.
Dino escreveu em suas redes sociais que a PF “analisaria” as falas proferidas no evento para “identificar indícios de eventuais crimes”.
A imagem de policiais debruçados sobre um texto, a mando do governo e à cata de “eventuais crimes”, aparentemente não evocou nenhuma lembrança trevosa no titular da Justiça, que rechaça a acusação de punitivismo.
Trata-se de ética da legalidade. A lei deve ser cumprida, independentemente das consequências. Os fatos mostram, por exemplo, que foi a firmeza da reação aos episódios do dia 8 de janeiro o que preveniu novos eventos. Nunca mais se fechou estrada no Brasil. Flávio Dino
Em plataformas como o Google, o ministro já apareceu como o mãos popular entre os colegas de governo —seguido de perto por Fernando Haddad (Fazenda) e um pouco mais de longe pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin (também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
Ajudaram a alçá-lo para o hall da fama suas performances nas audiências convocadas pelo Congresso, ocasiões em que, desenvolto, mistura a retórica da falsa humildade com requintes de crueldade para fazer picadinho de parlamentares como Marcos do Val, senador do Podemos pelo Espírito Santo —aquele que é tanto da Swat quando Dino é dos Vingadores, e cujas “construções mentais”, que ele chamou de “muito singulares”, não “encontram suporte nos fatos”.
O futuro da esquerda pós-Lula
Lula se diverte com as exibições de Dino e as encara como uma reiteração do engajamento que ele demonstrou na época da sua prisão e do impeachment de Dilma —que o hoje ministro chamou de “golpe” desde o primeiro momento.
O que, porém, Lula vê como mostra de compromisso e lealdade ao seu governo, desafetos de Dino enxergam como olho comprido. Para alguns, os frequentes embates do ex-governador com o bolsonarismo seriam parte da sua estratégia para se posicionar para o “pós-Lula”.
Dino não repele a ideia de concorrer à Presidência, mas afirma considerar uma “insensatez fazer planos para 2030” (ele “pula” 2026, a exemplo do que fazem outros integrantes do governo, onde o discurso em coro é de que Lula será candidato à reeleição). (Foto: Reprodução)