Europa também é responsável pelas mortes no Mediterrâneo

Henrique Acker (Correspondente internacional) –  A única política que existe para a migração de pessoas que chegam à costa europeia do Mediterrâneo é da desconfiança e da rejeição. É o que se depreende das poucas iniciativas tomadas pela União Europeia e os governos do sul da Europa para tratar o problema.

O recente naufrágio de um barco na costa da Grécia, que saiu da Líbia superlotado em direção à Itália, é só mais uma grande tragédia, vitimando centenas de pessoas, inclusive crianças.

O problema começa na origem. Por que tantos africanos e pessoas de países do Oriente Médio aceitam se submeter a condições desumanas e a correr risco de vida para atravessar o Mar Mediterrâneo e chegar à Europa?

Por que, mesmo sabendo que serão alvo de perseguição da guarda-costeira, se sujeitam a permanecer em acampamentos e a discriminação nos países europeus, essa gente paga para deixar seus países de origem em embarcações precárias, conduzidas por traficantes de seres humanos?

Qual a responsabilidade dos dirigentes da União Europeia e de governantes europeus com o que se passa nos países da África e no Oriente Médio?

 

Independência sob controle

A questão remonta a séculos de invasão, dominação e exploração das antigas colônias na África e Oriente Médio, sobretudo pela Inglaterra, França e Itália. Com o esfarelamento do Império Otomano, ao final da I Guerra Mundial, Inglaterra, França e Rússia trataram de desenhar o mapa do Oriente Médio de acordo com seus interesses.

O fim da II Guerra Mundial trouxe não só um novo desenho na geopolítica – com a afirmação de dois blocos comandados pelos EUA (Oeste) e URSS (Leste) – mas também a derrocada do velho colonialismo britânico e francês.

As duas ex-potências europeias aceitaram negociar a independência de suas colônias, desde que comandassem o processo, mantendo os interesses franceses e britânicos na região. Nada melhor do que tratar com as velhas oligarquias locais e corruptas, de olho no petróleo  do Oriente Médio e nas posições estratégicas das principais cidades portuárias do Norte da África.

Fronteiras desenhadas arbitrariamente foram traçadas, dividindo povos e territórios para consolidar a “independência” de novos países, a maioria artificiais. No Oriente Médio, ainda apoiaram a mitomania sionista, para livrar a Europa da eterna questão judaica. Assim, transferiram o problema para a Palestina, e Israel tornou-se a ponta-de-lança da política dos EUA na Região.

 

A “solução” militar europeia

A chamada “primavera árabe” e as grandes manifestações populares que varreram os países do norte da África nos primeiros anos deste século, contra os governos títeres e submissos aos interesses estrangeiros, abriu uma nova oportunidade para os povos daquelas duas regiões.

E o que fizeram os dirigentes dos países europeus com ramificações e interesses econômicos no Norte da África e Oriente Médio? Trataram de aceitar a imposição de governos ditatoriais, tão ruins ou piores que os anteriores. E ainda aproveitaram a oportunidade para atacar seus adversários.

No caso da Líbia, único governo que destoava dos demais, Inglaterra e França aliaram-se ao que há de mais atrasado (grupos paramilitares) para intervir militarmente e derrubar Muammar Kadhafi. Na Síria, foram pelo mesmo caminho, embora não tenham conseguido derrotar o governo de Bashar al-Assad.

Na verdade, a intervenção militar europeia na Líbia e na Síria é parte da política dos EUA para as duas regiões, o que se manifestou com as invasões estadonidenses do Iraque e do Afeganistão.

 

Guerras, ditaduras e problemas

É óbvio que a velha política imperialista só poderia aprofundar os problemas econômicos e sociais no Oriente Médio e no Norte da África. Além do crescimento da perseguição aos adversários dos governos locais. Daí surgem as novas levas de imigrantes, que enxergam na Europa a única esperança para seu futuro e de suas famílias.

Desde 2014 foram registrados mais de 20 mil mortes de migrantes pela rota do Mediterrâneo Central, considerada a mais perigosa do Mundo. A mais procurada é a que liga portos da Líbia ao sul da Itália, seguida da costa da Grécia.

Centenas de migrantes (441) morreram nos primeiros três meses de 2023, na tentativa de travessia do mar Mediterrâneo Central. Os números só são inferiores aos anos de 2015 (456) e 2017 (742). É o que informa a Organização Internacional para as Migrações (OIM), órgão da ONU.

 

A hipocrisia da União Europeia

E qual é a saída apontada pelos governantes europeus? A presidente da Comissão Europeia, a conservadora Úrsula von der Leyen, mão aberta para sustentar o aparato militar da Ucrânia (18 bi de euros só em 2023) em nome da “liberdade” e da “democracia”, só faz lamentar o naufrágio e a morte de centenas de imigrantes na costa grega.

Como solução a senhora Von der Leyen propõe mais rigor no combate ao tráfico de seres humanos. Mas não se toma nenhuma medida para facilitar a emissão de vistos para as pessoas nos portos e aeroportos europeus.

A depender de medidas como a recém adotada pelo governo de direita da senhora Meloni, na Itália, que declarou Estado de Emergência migratório por seis meses, os náufragos só terão o direito de serem mandados de volta aos seus países de origem.

É justamente para isso que existe a Frontex, agência cujo objetivo é patrulhar as costas do litoral do território europeu, destacando agentes até mesmo para fora da UE, para atuar em colaboração com governos de países do Norte da África.

 

Uma política que favorece a extrema-direita

Já o Secretário-Geral da ONU, o português Antônio Gutierres, mostra-se indignado com o ocorrido, pedindo mais atenção da Europa para a questão. Medida concreta? Nenhuma.

O que importa aos governantes conservadores e de direita da Europa é que os imigrantes de outros continentes reforcem o exército de reserva de mão-de-obra barata, para ocupar os postos de trabalho precários e com baixos salários. Desde que eles contribuam com impostos e vivam pacificamente nas periferias das cidades europeias.

Na Europa, os que chegam atrás da esperança de uma vida melhor serão sempre tratados com desconfiança. Sua simples presença alimenta o que há de pior: partidos e grupos de extrema-direita, que fazem da discriminação uma ponte para suas políticas racistas. E é justamente a extrema-direita que mais cresce na União Europeia, fruto da paralisia da esquerda e do envelhecimento das soluções da direita tradicional. (Foto: Reuters)

 

Por Henrique Acker – correspondente internacional

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