Deputada é titular da CPI do MST e tem sido o principal alvo dos ataques da bancada de extrema direita que comanda a comissão. Após ser silenciada inúmeras vezes durante os trabalhos da comissão, o Ministério Público Federal pediu a Procuradoria-Geral da República que investigue a prática de violência política de gênero. Também combatente no plenário, parlamentar tem sofrido represálias do presidente da Casa, Arthur Lira, que autorizou, recentemente, a abertura de uma ação contra ela no Conselho de Ética. Para a deputada, não dá mais para ceder às chantagens do Lira e defende a mobilização da base que elegeu o presidente Lula para que o governo não continue sendo refém do centrão.
Thiago Vilarins – Titular da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) afirma que a CPI foi criada por deputados aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com o intuito de tentar enfraquecer a bancada de esquerda no Congresso Nacional e de desgastar a imagem do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“É uma CPI pensada e articulada por deputados bolsonaristas para tentar criminalizar os movimentos sociais, enfraquecer a esquerda e tentar emparedar o governo Lula de alguma forma, arrancando ainda mais compromissos com o agronegócio e menos com a luta da reforma agrária”, afirma a parlamentar, ressaltando, em seguida, que o “tiro” do colegiado da extrema direita da Câmara “tem saído pela culatra”.
“Para nós também tem servido como um espaço de denúncia das relações do agronegócio com a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro, com o trabalho escravo, com a alta utilização de agrotóxicos, com o ataque aos povos indígenas, com a invasão de áreas de preservação ambiental e também da biografia dos membros da CPI e dos seus convidados, que vem aqui, sem nenhuma prova, atacar o Movimento Sem Terra. Então, nós estamos utilizando a CPI, também, como esse espaço de denúncia”, completa.
Essa retórica direta e inflamada na comissão fez com que a parlamentar se tornasse um dos principais alvos do grupo bolsonarista no colegiado – dos 27 membros titulares da comissão, 20 integram o bloco de oposição ao governo federal, com o comando de todos os cargos de poder. São inúmeras as vezes que a psolista foi interrompida em sua fala durante as sessões da CPI. Além de atravessarem os seus discursos com falas agressivas, os responsáveis pelo comando da CPI passaram, recorrentemente, a cortar o som do microfone da deputada, principalmente quando ela cita notícias com acusações contra o presidente da comissão, o Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), e do relator, Ricardo Salles (PL-SP).
Os indícios de prática de violência política de gênero levou o grupo de trabalho do Ministério Público Eleitoral – ligado ao Ministério Público Federal (MPF) – a pedir que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue o caso envolvendo a direção da CPI do MST contra a deputada Sâmia. “É inédito um acontecimento como esse do Ministério Público precisar intervir na condução de um trabalho da Câmara. Há muitos registros em vídeo de provas de que isso aconteceu. E a desigualdade de tratamento, inclusive. Tem outros deputados que estão lá para defender o MST, que também são minoria, mas que são tratados de forma decente, de acordo com o que diz o regimento, tanto pelo presidente como pelo relator”, avalia a deputada.
Como agravante, na última semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), acatou o pedido do deputado Valdemar Costa Netto, presidente nacional do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e do rival direto de Sâmia na CPI, o relator Ricardo Salles, e enviou ao Conselho de Ética uma ação, por quebra de decoro, contra seis deputadas do PSOL e PT. Com o nome nesta lista, Sâmia Bomfim protestou com o lançamento de uma petição contra perseguição que deputadas de esquerda têm sofrido na Câmara.
Ela lembrou que na mesma data que a ação com o seu nome foi protocolada no Conselho de Ética, estava completando quatro meses que representações feitas pelo PSOL contra quatro deputados do PL, acusados de estimular os atos golpistas de 8 de janeiro, estavam paralisadas na Mesa Diretora da Casa. Conforme a deputada, um claro comportamento desigual com finalidade de poupar os parlamentares golpistas. “Para os golpistas criminosos, tolerância. Para deputadas de esquerda, perseguição. Em menos de 24h, Lira permitiu tramitar a ação do PL no Conselho de Ética contra o nosso mandato e de outras deputadas. Já a ação contra bolsonaristas pelo 8 de janeiro está parada há 4 meses!”, protestou.
A reportagem do Opinião em Pauta entrevistou a parlamentar que tem sido o alvo mais recente dos ataques da bancada oposicionista do governo na Câmara. A conversa ocorreu no salão verde da Casa, depois da votação que aprovou a MP dos Ministérios com 283 votos favoráveis e 155 contrários. As tensões que antecederam essa votação também foram tema desta entrevista. Na ocasião, a base aliada do governo vivia com o risco de a MP não ser votada e a estrutura do governo Lula ruir. O presidente Lula teve que liberar um valor recorde em emendas (R$ 1,7 bilhão) e nos bastidores já se confirmava o burburinho de que a adesão do centrão, comandado pelo presidente Arthur Lira, envolveu cargos e as pastas da Saúde e do Turismo. Para Sâmia Bomfim, o governo tem que reagir a esse velho fisiologismo e mobilizar as suas bases para deixar de ser refém de Lira e do centrão.
“O Lira, que comanda essa base gigantesca do centrão, só trabalha sob a ótica da chantagem. E na última legislatura o Congresso ficou viciado no RP9, que era o Orçamento Secreto. Ou seja, segue o velho fisiologismo de sempre do centrão. Houve uma bolsonarização, eles estão ideologicamente mais próximos da extrema-direita do que era em outros momentos e, ainda, o fisiologismo que não depende tanto do governo, porque o que eles querem, mesmo, é emenda sendo executada. Se a saída for só negociação com o centrão, a gente sabe a régua da negociação deles. E a gente só vai sair perdendo. Por isso que tem que apostar no apoio popular que elegeu o Lula, que determinou qual deve ser o programa aplicado. Apostar nos 60 milhões de votos que derrotou o Bolsonaro e que merece ter o seu direito respeitado”, disse.
Confira a entrevista da deputada Sâmia Bomfim ao Opinião em Pauta:
Como a senhora classifica essa relação entre governo federal e a bancada aqui da Câmara dos Deputados? O governo Lula soma, pelo menos, quatro derrotas em votações de pautas importantes, e em outras duas em que saiu vitorioso, o Planalto teve que agir diretamente com oferta de emendas e cargos.
Acho que, por um lado, o Arthur Lira que comanda uma base gigantesca do centrão, ele foi eleito com esses votos todos, ele só trabalha sob a ótica da chantagem. E na última legislatura o Congresso ficou viciado no RP9, que era o Orçamento Secreto. Ou seja, segue o velho fisiologismo de sempre do centrão, houve uma bolsonarização, eles estão ideologicamente mais próximos da extrema-direita do que era em outros momentos e, ainda, o fisiologismo que não depende tanto do governo, porque o que eles querem, mesmo, é emenda sendo executada. Tudo bem, eles querem o espaço de sempre, como é o caso do União Brasil, mas isso não é o suficiente para que eles se comportem como base. Eles exigem que o dinheiro caia na conta, digamos assim, dos seus prefeitos, governadores e bases eleitorais. Por outro lado, conversava sobre isso com os demais companheiros da base do governo, que eu acho que é necessário, também, que a gente dê uma resposta mais a altura do que está acontecendo. Outros presidentes, da própria América Latina, quando estão em uma situação de emparedamento pela extrema direita, como é o caso da Colômbia, por exemplo, ele alerta a população sobre a situação e acontecem, inclusive, manifestações em apoio ao governo. Eu acho que é o momento da gente apostar nessas saídas também. Porque se a saída for só negociação com o centrão, a gente sabe a régua da negociação deles. E a gente só vai sair perdendo se a lógica for essa. Por isso que tem que apostar no apoio popular que elegeu o Lula, que determinou qual deve ser o programa aplicado. Apostar nos 60 milhões de votos que derrotou o Bolsonaro e que merece ter o seu direito respeitado. Não entendendo como ficamos refém de um centrão como esse.
Então, na sua opinião, o governo é refém do Arthur Lira?
Sem dúvida! A gente, inclusive, fez esse alerta no início do ano. Por isso que a bancada do PSOL não votou no Lira. Como o sinal de alerta que isso significava. A gente dizia na época: ‘estão dando superpoderes para alguém que, a qualquer momento, pode puxar o tapete do governo’.
Na última votação importante, o presidente Lula teve que liberar mais de R$ 1,7 bilhão em emendas para garantir vitória em uma MP simples, mas de muita importância para a estrutura do seu governo. A senhora condena essa forma de negociação ou entende que faz parte do jogo político?
Nós do PSOL não pleiteamos nenhuma dessas emendas, a gente faz uso das emendas impositivas. Eu acho, absolutamente, lamentável que o Congresso se utilize desse método para poder ir adiante. Felizmente a RP9, que era o Orçamento Secreto caiu, na última legislatura, por uma ação do PSOL, e agora tem essa RP2, que são as emendas negociadas. Eu acho triste que a política brasileira dependa disso.
É uma espécie de compra de votos, só que de forma transparente?
(Risos) Como eles estão dizendo, digamos, assim, é uma negociação direta com o parlamento, só que com transparência. É duro!
Na sua avaliação, a partir do balcão de negócios que foi essa votação, como serão as próximas votações importantes para o governo aqui na Casa?
Eu espero que melhore. Eu acho que, a crise que foi essa última votação, também serviu para mostrar o limite de seguir operando sob a ótica da chantagem do Lira. De fato, têm problemas na articulação política, têm problemas na orientação política… e eu acho que isso tem que se resolver a partir desse imbróglio que foi criado nesta votação. Esse é o meu desejo.
A sua atuação aguerrida na CPI do MST tem incomodado a bancada de oposição ao governo que comanda essa comissão. A mesa diretora, reiteradamente, tenta te silenciar e chegou, inclusive, a abrir um processo disciplinar contra a senhora no Conselho de Ética. Esse comportamento levou o MPF a acionar a PGR para apurar se a senhora tem sofrido violência política de gênero. Como a senhora avalia estas ações e as primeiras sessões de trabalho da CPI?
É inédito um acontecimento como esse do Ministério Público precisar intervir na condução de um trabalho da Câmara. Há muitos registros em vídeo de provas de que isso aconteceu. E a desigualdade de tratamento, inclusive, tem outros deputados que estão lá para defender o MST, que também são minoria, mas que são tratados de forma decente, de acordo com o que diz o regimento, tanto pelo presidente como pelo relator. Mas se tratando das deputadas mulheres, eles sempre são agressivos, violentos e autoritários. Inclusive, o próprio relator que não tem poder de acordo com o regimento, sequer de intervir durante a fala das pessoas. O presidente teria direito de interromper, de acordo com a regras, mas o relator não. Então, fico contente que o MP esteja agindo, mas eu acho lamentável que a gente tenha chegado a esse ponto.
O que está por trás da criação, por parte da bancada de extrema-direita da Câmara, desta CPI do MST?
É uma CPI pensada e articulada por deputados bolsonaristas para tentar criminalizar os movimentos sociais, enfraquecer a esquerda e tentar emparedar o governo Lula de alguma forma, arrancando mais compromissos com o agronegócio e menos com a luta da reforma agrária. Mas eu acho que o tiro tem saído pela culatra. Porque, para nós, também tem servido como um espaço de denúncia das relações do agronegócio com a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro, com o trabalho escravo, com a alta utilização de agrotóxicos, com o ataque aos povos indígenas, com a invasão de áreas de preservação ambiental e, também, da biografia dos membros da CPI e dos seus convidados que vem aqui, sem nenhuma prova, atacar o Movimento Sem Terra. Na verdade, é uma série de provas, em inquéritos nos tribunais superiores, enfim, documentos públicos que comprovam a sujeirada na qual eles estão metidos. Então, nós estamos utilizando a CPI, também, como esse espaço de denúncia.
O presidente da CPI cortou o seu microfone todas as vezes que a senhora levantou as denuncias contra ele e contra o relator Ricardo Salles. O que a senhora tentou falar nestas ocasiões? E qual a legitimidade destes parlamentares para comandar uma CPI diante destas denúncias que a senhora apresenta?
Pois é, nenhuma. A primeira intervenção que eu fiz nessa CPI, no primeiro dia ainda, foi uma questão de ordem sobre o Ricardo Salles, que não poderia ser o relator, porque o regimento interno e o código de ética dizem que quando você tem o interesse pessoal ou econômico numa matéria você não pode relatá-la. Você pode até ser membro da comissão, mas não pode relatar. E é uma série de dados que comprovam que ele tem interesse direto. Ele é financiado por latifundiários, que tem interesse em manter a lógica de grilagem de terras; ele está sendo investigado no inquérito da Polícia Federal por exportação ilegal de madeira, da época que ele era ministro do meio ambiente; ele na campanha de 2018 estimulou as pessoas a serem violentas contra o MST… E o próprio presidente, coronel Zucco, está sendo investigado por uma tentativa de golpe de Estado. Ele é parte daqueles que atentaram contra as liberdades democráticas no Brasil. E é por isso que eles ficam tão incomodados conosco. A gente não fica ali fazendo média, a gente vai ali para dizer a verdade, dizer o que eles não querem ouvir. Mas assim, apesar do absurdo, para se sincera, nós estamos bem tranquilos, porque tem também muita gente assistindo. A sociedade brasileira está de olho no que está acontecendo na CPI. É claro que eles conseguem mobilizar a base deles, construir uma narrativa para jogar nos seus grupos de Whatsapp. Isso sempre vai seguir acontecendo, é o modus operandi do bolsonarismo. Mas o restante da sociedade, principalmente através da imprensa, que esta fazendo uma boa cobertura da CPI, está bem evidente dos métodos que eles se utilizam e os propósitos de todo esse circo que foi armado.
Diante destes métodos que a senhora está citando, já houve o pensamento de rever as estratégias de combate na CPI ou essas tentativas não têm intimidado vocês?
Não nos intimida de maneira nenhuma. Isso, na verdade, nos estimula a seguir cumprindo com o nosso papel. Acho que é um instrumento pra tentar nos intimidar, de fato, mas não tem funcionado. Sessão após sessão a gente traz mais elementos pra expor as contradições deles. E quanto mais autoritários eles são com a gente, mais a sociedade brasileira fica conhecendo o DNA do bolsonarismo. Então, a gente vai seguir com a mesma tranquilidade de sempre.
(Foto principal: Camila Santana/ Mila Santana/ Flickr)