Thiago Vilarins – A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) avalia que grande parte do quadro atual da Câmara dos Deputados não reconhece a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e continua agindo como que se ainda estivesse na disputa eleitoral do ano passado. Esse comportamento, segundo a petista, justifica o envolvimento de muitos destes parlamentares nos atos golpistas anotados deste o resultado do último pleito eleitoral, em 30 de outubro do ano passado, como nas resistências às pautas sensíveis ao povo brasileiro levadas à Câmara pelo governo federal.
Kokay, que é vice-líder da federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) na Câmara, fez essa análise em resposta ao questionamento do Opinião em Pauta sobre o mês difícil para a articulação do governo Lula no Congresso Nacional, que foi negativamente surpreendido com, pelo menos, quatro derrotas de grande escala na Câmara dos Deputados. Nesse rol aparecem o decreto de Lula com mudanças no marco legal do saneamento básico; a MP do governo Jair Bolsonaro que passou a afrouxar regras de preservação da Mata Atlântica; o projeto de lei que define um “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas; e a medida provisória do governo Lula que reorganizou a Esplanada dos Ministérios no início do mandato e que na comissão mista da Casa teve atribuições significativas das políticas ambientais e indígenas sacrificadas.
“Tem um setor do parlamento que se nega a reconhecer o resultado da eleição e que busca deixar o processo eleitoral em aberto. O povo brasileiro elegeu o Lula com uma proposta e com um desenho de estrutura administrativa fundamental pra tocar as políticas públicas que foram escolhidas nas urnas. Mas eles tentam, de todas as formas, ignorar o Brasil e tentar impedir que haja o governo e que se consolide a vitória de Lula que tem representado tantos benefícios para o País”, pondera a deputada, destacando, em seguida, que o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), tem que rever sua postura nesse processo de barganha com o governo, característico das negociações do governo anterior, e agir com o respeito que cargo que ele ocupa merece.
“O presidente da Casa não pode fazer qualquer tipo de gestão, que signifique barganhas menores em detrimento do próprio País. O presidente tem que estar coadunado com os princípios republicanos e é isso que a gente espera do deputado Arthur Lira”, completou.
Em entrevista à reportagem do Opinião em Pauta, Erika Kokay fala mais sobre os desafios da base aliada ao governo, do qual ela faz parte, no enfrentamento à bancada bolsonarista – em maioria no Congresso – que parece não mostra nenhum movimento no sentido de recuar nas tentativas de desgastar e inviabilizar o governo do presidente Lula. Ela também dá sua opinião sobre como o presidente está conduzindo essa articulação, que na última votação sobre a estrutura dos ministérios, por exemplo, liberou um valor recorde de R$ 1,7 bilhão em emendas para os deputados para garantir a aprovação. Por fim, Kokay ainda comenta uma das derrotas mais duras, até o momento, para ela nesta gestão: o “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas.
“O marco temporal não cabe. Ele fere o direito. Ele legaliza o esbulho. Ele legaliza a violência. Ele estabelece um marco que não cabe a quem são os povos originários do Brasil. Antes da coroa já existia o cocar no Brasil. Ele é inconstitucional. Um PL não pode se sobrepor a própria Constituição. Então, portanto, esse projeto não tem como prosperar, porque ele tem extrema ilegalidade, ele enfrenta a Constituição e, ao mesmo tempo, ele retira direitos que são causas pétreas da nossa Constituição. Então, nós tivemos uma derrota aqui, mas não foi uma derrota nossa, foi uma derrota do povo brasileiro, do próprio País. Mas, esse projeto vai chegar no Senado e ele não tem como prosperar. Tenho absoluta convicção de que foi uma vitória daqueles que queriam mandar um recado pra tentar influenciar a decisão do Supremo. Mas tenho absoluta certeza que o Supremo, como guardião da Constituição, não vai levar adiante o marco temporal”, disse.
Confira a entrevista que a deputada Erika Kokay concedeu à reportagem do Opinião em Pauta, na última quinta-feira (1), no plenário da Câmara, após a tensa votação da MP da estruturação dos ministérios do governo Lula.
Deputada, na sua avaliação, ao que se deve essa dificuldade do governo em aprovar aqui na Câmara as políticas defendidas pelo presidente Lula durante a eleição e que teve o referendo de mais de 60 milhões de eleitores?
Acho que tem um setor do parlamento que se nega a reconhecer o resultado da eleição. E que busca, de toda sorte, deixar o processo eleitoral em aberto. A eleição acabou. E o povo brasileiro elegeu o Lula. E elegeu o Lula com uma proposta e com um desenho de estrutura administrativa fundamental pra tocar as políticas públicas que foram escolhidas nas urnas. Mas, nós tivemos o dia 12 de dezembro, na diplomação de Lula, que se tentou invadir prédios públicos; nós tivemos o dia 8 de janeiro, que foi uma tentativa de golpe; nós tivemos em frente aos quartéis as pessoas dizendo que não reconheciam o processo eleitoral; nós tivemos a tentativa deles de não aprovarem a PEC de transição, e que era uma proposta do próprio governo Lula, e, também, da época do seu adversário no processo eleitoral, de ter um Bolsa Família de R$ 600. Ou seja, eles tentam, de todas as formas, ignorar o Brasil e tentar impedir que haja o governo e que se consolide a vitória de Lula que tem representado tantos benefícios para o País.
E qual a contribuição do presidente Arthur Lira com este grupo que a senhora está citando?
Eu penso que o presidente da Casa tem que ter uma responsabilidade para que nós possamos fazer valer o processo democrático. Eu sou de uma época em que nós enfrentamos a ditadura militar. E nós lutamos pelo direito de elegermos o nosso presidente da República ou a presidenta da República. Nós lutamos por isso no movimento das diretas e em tantas vezes na nossa história pós período da Ditadura Militar. E, ali, nós vivenciamos, portanto, a vitória do povo brasileiro em ter a sua soberania assegurada. O presidente da Casa, ele não pode fazer qualquer tipo de gestão, que signifique barganhas menores em detrimento do próprio País. O presidente tem que estar coadunado com os princípios republicanos e é isso que a gente espera do deputado Arthur Lira.
Depois de quatro derrotas seguidas no plenário da Câmara, que mostraram as fragilidades da articulação do governo e, ao mesmo tempo, a força do grupo político que sustenta o presidente Arthur Lira, o presidente Lula fez uma liberação recorde de R$ 1,7 bilhão em emendas para os deputados. Como que a senhora avalia essa estratégia para conseguir a vitória? A senhora reprova ou entende que faz parte do jogo?
Não, eu entendo que as emendas, em grande medida, são emendas impositivas. E que as emendas impositivas, que foram frutos de uma decisão legislativa que fazem parte do arcabouço legal, elas tem que ser respeitadas no seu caráter. Mas, penso que a discussão dela não pode ser de construção de balcão de negócios. Eu acho que o governo e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito um bom diálogo com a população, mostrando, exatamente, porque que ele foi eleito e a sua responsabilidade com o sentido dos sessenta milhões de votos que o elegeram. Por isso eu diria que não cabe que nós tenhamos qualquer tipo de barganha. Cabe o que está previsto na legislação possa ser cumprido. Foi o presidente Lula que combateu, de forma muito veemente, durante a campanha eleitoral, por exemplo, o dito Orçamento Secreto. Não existe mais, teoricamente, o orçamento secreto no Brasil, nem pode voltar a existir. Eu diria que não se pode construir uma governabilidade a partir da lógica do toma lá e da cá. A governabilidade tem que ser uma governabilidade de respeito ao povo brasileiro e ao próprio Brasil, que é o que nós esperamos da maioria do Congresso Nacional. E de toda sorte é o que tem se consolidado. Nós tivemos aprovação do regime fiscal sustentável; nós tivemos, ainda durante a transição, a aprovação da PEC da transição; nós tivemos a aprovação do Bolsa Família… que são processos muito valiosos para o povo brasileiro. Eu diria o seguinte: ‘o parlamento não pode estar para o povo brasileiro e os parlamentares não podem achar que os seus interesses eleitorais ou pessoais são maiores do que os interesses nacionais.
Por pouco o governo perdeu uma votação considerada simples aqui na Casa, mas fundamental para a governabilidade, que era a que se tratava da organização ministerial do presidente Lula. Foi necessário para isso que o próprio presidente entrasse em campo. O que representaria se, ainda assim, o governo acumulasse mais essa derrota?
Nós trabalhando muito para ela fosse aprovada. E era o mínimo de responsabilidade, tratava do desenho administrativo de uma gestão, que cabe, exclusivamente, a quem teve as prerrogativas ofertadas pelo povo brasileiro para que fossem efetivadas. Mas toda essa dificuldade é porquê eles apostam no caos. Eles apostam na crise permanente. E a gente aposta na democracia. A gente aposta na lógica republicana. O desenho administrativo do governo Lula foi um desenho discutido durante o próprio processo eleitoral e se pontuou a necessidade de termos vários espaços para elaboração de políticas públicas e de construir uma transversalidade fundamental para a efetivação dessas políticas. Por isso, eu diria que é apostar na crise se colocar contra essa estrutura aprovada nas urnas ou fazer chantagem para entender essa lógica.
O governo venceu essa batalha, mas também saiu muito fragilizado por ceder aos interesses da bancada do agronegócio que tirou importantes atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Anteriormente, o governo sofreu uma derrota dolorosa com a inesperada votação do “marco temporal” para a demarcação das terras indígenas. A senhora lutou muito pela rejeição e ainda lamenta muito que ela tenha sido aprovada. Como a senhora avalia essa derrota e o que esta sendo feito para tentar revertê-la?
Eu penso assim, o PL 490 não é só o marco temporal, mas é também a consolidação do esbulho, porque os povos indígenas sofreram um genocídio. Ninguém duvida ou ninguém questiona que houve um massacre dos povos indígenas. Houve um etnocídio na nossa história. Então, portanto, os povos que foram arrancados do seu território e não estavam lá, durante no ano de promulgação da Constituição, não podem ser penalizados. Na verdade, eles querem penalizar os povos que foram vítimas de violência e que, em verdade, foram arrancados do seu território, porque havia uma política genocida e uma política de não respeito aos povos indígenas. Então, portanto, marco temporal não cabe. Ele fere o direito. Ele legaliza o esbulho. Ele legaliza a violência. Ele estabelece um marco que não cabe a quem são os povos originários do Brasil. Antes da coroa já existia o cocar no Brasil. Mas o PL 490 é, extremamente, emocional. Primeiro, porque ele tira – depois um pouco foi corrigido pelo propósito relator -, mas, originalmente, ele tirava usufruto exclusivo. Ele permitia que se entrasse dentro do território indígena, ele destrói o que é a convenção 169 da OIT, que assegura a consulta prévia e autiva dos povos que serão impactadas por diversas ações. Então, ele é inconstitucional. Um PL não pode se sobrepor a própria Constituição. A Constituição é clara do que representam os direitos dos povos indígenas, tanto é que a homologação dos territórios indígenas, está prevista na Constituição, que precisa ser executada pelo Poder Executivo. Então, portanto, esse projeto não tem como prosperar, porque ele tem extrema ilegalidade, ele enfrenta a Constituição e, ao mesmo tempo, ele retira direitos que são causas pétreas da nossa Constituição. Então, nós tivemos uma derrota aqui, mas não foi uma derrota nossa, foi uma derrota do povo brasileiro, do próprio País. Mas, esse projeto vai chegar no Senado e ele não tem como prosperar. Tenho absoluta convicção de que foi uma vitória daqueles que queriam mandar um recado pra tentar influenciar a decisão do Supremo. Mas tenho absoluta certeza que o Supremo, como guardião da Constituição, não vai levar adiante o marco temporal.
(Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)