Por trás do conflito armado no Sudão

Henrique Acker (Correspondente na Europa) – De um lado as forças do exército regular, cujos comandantes controlam as empresas industriais e comerciais, lideradas pelo general Abdel Fattah Al Burhan, à frente das Forças Armadas e autor de um golpe de estado em outubro de 2021. De outro, as Forças de Apoio Rápido (FAR), espécie de milícia com cerca de cem mil homens que têm interesses em recursos naturais, especialmente o ouro. Esse é o panorama do conflito no Sudão, país africano com cerca de 48 milhões de habitantes.

As FAR trabalham lado a lado com seus parceiros russos do conhecido grupo Wagner e têm apoio do regime da Líbia, enquanto os militares sudaneses têm relações comerciais com generais egípcios, que mantêm relação privilegiada com o governo dos EUA.

O Sudão é o terceiro maior país da África (após a Argélia e a República Democrática do Congo) e também o terceiro maior país do mundo árabe. O país é marcado por conflitos étnicos, além de dois conflitos internos e duas guerras civis, entre 1955 e 1972 e 1983 e 2005. Há inúmeros casos de limpeza étnica e escravidão no país.

 

Egito aliado dos EUA e dos militares sudaneses

Em 2011, o Egito e países do Norte da África foram sacudidos pela chamada “Primavera Árabe”, na qual milhões de pessoas foram às ruas para exigir melhores condições de vida e reformas políticas. Naquela época, como em todas as partes do Mundo, a crise que gerou quebradeira e desemprego teve origem no sistema bancário dos EUA, a partir da bolha imobiliária. Os níveis de desemprego entre jovens no Norte da África eram, então, de 25% no Egito, 30% na Tunísia e 21% no Líbano.

Os militares egípcios trataram de derrubar Hosni Mubarak, então presidente. Em 2012, foi eleito Mohammed Morsi, da chamada Irmandade Muçulmana, uma das ramificações do Islã no Mundo Árabe. No ano seguinte, Morsi também foi derrubado pelos militares. Desde então, o governo egípcio conta com um cordial apoio financeiro dos EUA.

Todo ano, 1,5 bilhão de dólares são destinados ao Egito, dos quais 1,3 bilhão vão para os militares. O curioso é que esses recursos permanecem nos EUA, para contratação de empresas que fornecem armamentos ao governo militar egípcio.

 

Líbia e a relação com as FAR

Mas a Primavera Árabe teve repercussões em praticamente todos os países da região. Um deles foi a Líbia, até então governada por Muammar Khadafi, que mantinha uma posição política não alinhada às grandes potências ocidentais. Diante das manifestações promovidas por grupos de oposição, em nome da democratização do país, o Conselho da ONU aprovou o bombardeio das tropas de Khadafi. As medidas seriam implementadas pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental).

No rastro das reivindicações democráticas e manifestações populares, Khadafi foi derrubado e morto por grupos oposicionistas, armados por países ocidentais. Aviões da França, do Reino Unido e do Canadá, além de navios que incluíam forças americanas, passaram a bombardear posições do regime líbio.

No entanto, devido à complexidade tribal da Líbia, após a derrubada de Khadafi o país mergulhou num caos e uma guerra civil de consequências sociais, econômicas e políticas sem solução. Um acordo frágil de governação é mantido entre as diversas forças locais desde 2020.

 

Interesses das grandes potências

Com o confronto no Sudão, os militares egípcios posicionaram parte de sua força aérea na cidade de Merowe, perto da fronteira, para realizar manobras com a aviação das Forças Armadas sudanesas. O objetivo é ameaçar a construção da barragem no Rio Nilo, chamada Grande Barragem da Renascença, construída pela Etiópia, outro país que faz fronteira com o Sudão, que poderia ameaçar o abastecimento de água do Egito e do próprio Sudão.

Diante disso, as Forças de Apoio Rápido, cujo chefe é o general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, atacaram as tropas egípcias. Intencionalmente ou não, Hemedti passou a ser identificado com o campo pró-etíope. É sabido que as FAR têm interesses e projetos com o governo da Etiópia.

Apesar da trégua estabelecida momentaneamente entre os dois lados do conflito no Sudão, há diversos fatores por trás desta guerra. Um deles é a disputa pela distribuição de água, o que é fundamental para qualquer país daquela região.

Os interesses econômicos de grupos militares ligados ao governo do Egito e a um setor do  governo da Líbia também estão por trás do conflito no Sudão.

Mas o fator determinante nessa guerra é a luta pelo controle dos recursos minerais do Sudão, entre eles gás natural, petróleo, amianto, cromita, chumbo, cobre, ouro, granito, ferro, cobalto, manganês, prata, urânio, estanho e zinco. É aí que se percebe os interesses das potências ocidentais e da Rússia pelo controle do país.

Para além de uma trégua frágil e que vem sendo violada a todo momento, há a promessa de se estabelecer um regime democrático, com a participação da sociedade civil, cujas manifestações foram o estopim para a derrubada do regime tirânico de Omar Al Bachir, em 2019. Mas isso parece que ficou em segundo plano, depois do golpe militar de 2021. (Fotos Reprodução)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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