Biomédica descobre remissão de tumor cerebral durante tratamento com maconha

O uso do óleo de canabidiol, derivado da cannabis ou maconha, como é popularmente conhecida, tem sido cada vez mais frequente para o tratamento de dores crônicas, ansiedade, depressão, epilepsia e fibromialgia, entre tantas outras patologias.

O fitoterápico ameniza os sintomas das doenças, trazendo a melhora da qualidade de vida para esses pacientes.

Foi por isso que a biomédica Gizele Thame, de 64 anos, passou a usá-lo, há seis anos, quando descobriu um tumor cerebral, o adenoma hipófise não-hormonal, cujo único tratamento era a remoção por cirurgia.

A hipófise é uma glândula que está no sistema nervoso central e faz a produção de vários hormônios que se ligam a glândulas como a da tireóide, as sexuais e a adrenal. É fundamental para o bom funcionamento do corpo humano.

Antes das gotinhas do óleo derivado da planta, ela não tinha qualidade de vida, não dormia bem, tinha dores e vivia muito estressada. Mas foi na cannabis que ela encontrou um meio de viver bem. De acordo com Letícia Mayer, especialista em geriatria e cuidados paliativos e membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis, os canabinóides, como o canabidiol, têm diversos benefícos na melhora de sintomas.

“Como eles [canabinóides] têm diversos potenciais nos organismos, como analgésico, ansiolítico, antidepressivo, de melhora no sono, de neuroproteção, entre outros, ele acaba sendo utilizado em diversas condições como uma terapeutica complementar aos tratamentos que as pessoas estão fazendo para a doença de base”, explica.

Foi o caso da biomética. A grata surpresa veio no último mês, depois de anos de uso do CBD, quando descobriu que o tumor entrou em remissão, isto é, sumiu quase que por completo. “O milagre aconteceu”,  celebra.

 

Luz no fim do túnel

O caminho até aqui foi longo, cheio de dúvidas e quebra de preconceitos. Mas o que a ajudou nesse percurso foi a colaboração do filho, que a muniu de informações sobre a cannabis. Hoje, ela tem uma estufa em casa e prepara o próprio óleo.

Quando descobriu o tumor, passou por seis neurologistas, e todos indicaram a cirurgia. Caso não passasse pelo procedimento, poderia ficar cega, já que ele estava alojado muito próximo ao nervo óptico. E assim, se o adenoma crescesse, ela poderia até morrer. “Depois da cirurgia, eu ia ficar dependente de 22 remédios diários. Mesmo assim, entre morrer e não viver com qualidade de vida, a minha opção foi morrer. Foi complicado, mas optei por isso”, declara. Tranquila de sua decisão, ela se apoiou na religião e na fé que tem em Deus.

Foi o filho dela Raul Thame que chegou com a opção de tratamento com a cannabis. Mas ela não aceitou de cara e atribui isso ao preconceito. “Eu tinha muito preconceito, como muita das pessoas”, diz. Ela relembra que, quando era pequena, os pais diziam para ela ficar longe dos “maconheiros” porque eram tidos pela sociedade como perigosos.

Insistente, o filho de Gizele começou a apresentá-la relatos de pessoas que também tinham tumor cerebral e faziam o uso, além de diversos estudos. “Então, eu mesma resolvi pesquisar e cheguei à conclusão que eu podia iniciar esse tratamento, porque, na verdade, eu não tinha nada a perder”, concluiu.

A responsável por prescrever o tratamento foi a psiquiatra Eliane Nunes, diretora da Sociedade Brasileira de Estudo da Cannabis Sativa (SBEC).

“Na primeira consulta, ela falou que não entendia muito do tumor, mas todo o entorno da doença, ela garantia que eu ia ficar boa. Eu fiquei realmente com depressão, joguei a toalha. Eu fiquei briguenta. Ela [médica] me falou que, com o tratamento, eu ia ficar só com o tumor. Quando eu ouvi isso, pensei: ela acha que é só o tumor’”, ri ao relembrar.

 

Plantação e liberação para plantar

Então, o filho dela fez o curso para extração do óleo, e eles começaram a cultivar a maconha em casa, na ilegalidade. Desde o primeiro uso, o fitoterápico é feito por Raul. Com menos de dois meses de tratamento, todos os sintomas tinham ido embora. Gizele parou de brigar, voltou a dormir e teve qualidade de vida.

Com um ano e meio de uso, o tumor teve a primeira redução, passando de 1,3 centímetros – considerado grande – para 0,7 milímetros. A partir disso, eles tomaram a decisão de entrar com um pedido de habeas corpus preventivo para plantar legalmente, usando como comprovação a redução do adenoma.

Ela foi a primeira pessoa no litoral de São Paulo a conseguir essa autorização, cedida pela juíza da 6ª Vara Federal de Santos, e 37ª do Brasil. “O grande vilão para autorizar o cannabis no Brasil são as pessoas preconceituosas, e eu era uma delas. […] Preconceito é falta de informação”, declara.

 

Ainda sem comprovação

Gizele explica que, apesar de não ter comprovação científica que foi a cannabis que fez o tumor entrar em remissão, esse foi o primeiro caso que seu neurologista viu. “Ele disse: o milagre aconteceu”, relembra.

A PhD em neurologia e membro do comitê executivo médico da Cannect Camila Pupe reforça o que a biomédica fala. “Em relação a tumores, vários estudos in vitro mostraram atividade antitumoral. Mas a gente sabe que existe uma diferença muito grande nos estudos pré-clínicos e estudo clínicos, em ratos e em humanos. A gente tem que tomar muito cuidado com a narrativa dessa evidência porque a gente sabe que o que pode funcionar in vitro e em rato pode não acontecer no ser humano e ter outras repercussões também nesse caminho”, afirma.

Segundo a especialista, em relação a tumores do sistema nervoso central, há alguns artigos sobre o glioblastoma multiforme, um tumor muito agressivo, que pode ter uma ação benéfica. “A evidência é baixa porque ainda não foram feitos estudos com maior impacto dessa área. Não quer dizer que não funcione”, explica.

Em relação a tumores hipofisários, como o adenoma de hipófise, não tem nenhum caso relatado de redução de tumor após o uso de CBD. “Mas a gente tem ouvido vários casos que nunca foram relatados, que melhoraram com cannabis e que a evidência ainda vai surgir ao longo do tempo”, diz.

 

Quebra do preconceito

Camila também elenca que existem receptores canabinóides no sistema hipofisário. “Então, existe expressão de receptores lá na hipófise, que provavelmente, quando você ingere algum fito canabinóide, eles vão atuar de alguma forma. Se existe uma relação direta de efeito antitumoral ou de controle endócrino metabólico relacionado a isso, pode ter e pode não ter, porque não tem evidência científica nenhuma”, esclarece.

A  médica Letícia corrobora com essa afirmação. “Tem um estudo lá de 2001, que encontraram o sistema endocanabinóide na glândula do hipófise. Todos os humanos e animais possuem esse sistema, que regula diversos funções no organismo. É sobre esse sistema que os canabinóides agem quando a gente ingere eles.  Esse mecanismo pode ter a ver com essa resposta dessa paciente ao tratamento com óleo de cannabis. Mas mais pesquisas precisam ser feitas para esclarecer essa relação”, salienta.

O que não se pode negar é que a quebra do preconceito fez com a biomédica encontrasse novamente a qualidade de vida. E ela atribui isso à espiritualidade. “O mundo espiritual precede o mundo material. Eu acho que tive até uma permissão espiritual para deixar o meu preconceito, iniciar o tratamento, que é natural, com o remédio que o meu filho faz”, finaliza Gizele.

Na foto, filho Raul foi quem apresentou o tratamento para a mãe. (Arquivo pessoal/Gizele Thame)

 

Com informação da  repórter Vanessa Ortiz.

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