Lei sancionada pelo presidente Lula na última semana determina funcionamento imediato de delegacias da mulher 24 horas todos os dias. Atualmente, só 12% das unidades estão em cumprimento com a nova legislação.
Mulheres vítimas de violência doméstica e familiar têm direito a atendimento 24 horas por dia, sete dias por semana, incluindo feriados nas delegacias especializadas de atendimento à mulher (Deam). A obrigatoriedade do funcionamento ininterrupto desse tipo de delegacia passou a valer imediatamente, desde a última semana quando o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.541.
A nova lei se revela uma grande conquista feminina, mas ao mesmo tempo surge como um desafio ainda maior para os Estados brasileiros. Levantamento em todas as delegacias do País especializadas no atendimento à mulher revela que apenas 12,1% delas funcionam, atualmente, 24 horas por dia. Em números, são somente 60 delegacias do total de 492. Ou seja, uma vez estabelecida a nova lei, os Estados estão correndo para converter 432 unidades ao novo modelo. Os dados foram levantados pelo G1 junto aos governos estaduais.
A lei teve origem no Projeto de Lei (PL) 781/2020, do senador Rodrigo Cunha (União-AL), aprovado pelo Senado no início de março. “Esse projeto faz com que as delegacias das mulheres, especializadas em combate e prevenção à violência contra a mulher, funcionem nos finais de semana, funcionem 24 horas por dia, porque nos finais de semana é quando as mulheres mais precisam desse atendimento. E uma mulher que é vítima de uma violência numa sexta-feira à noite teria que esperar até segunda-feira para receber um atendimento especializado”, explicou Rodrigo Cunha em Plenário, na votação do projeto.
A relatora da matéria, senadora Ana Paula Lobato (PSB-MA), citou dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, segundo o qual houve 66.020 estupros, 230.861 agressões, 597.623 ameaças e 619.353 chamados de socorro ao telefone 190 em 2021. Ela salientou que a violência contra a mulher não tem dia e nem hora para acontecer, e não é possível esperar a delegacia abrir na segunda-feira.
O texto foi publicado no Diário Oficial do dia 4 de abril. Além de contínuo, a nova lei diz que o atendimento deverá ser feito, preferencialmente, em sala reservada e por policiais do sexo feminino. A regra deve ser obedecida não só pelas delegacias que serão criadas, mas também por aquelas que já existem.
A lei ainda destaca que nos municípios onde não houver Deam, a delegacia existente deverá priorizar o atendimento da mulher vítima de violência por agente feminina especializada. Os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) destinados aos estados poderão ser utilizados para a criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher em conformidade com as normas técnicas de padronização estabelecidas pelo Poder Executivo.
Disparidade
O levantamento aponta que o desafio de manter as portas 24 horas abertas para as mulheres vítimas de violência é nacional, mas elas se intensificam dependendo da região. São Paulo, por exemplo, tem dezenas de unidas especializadas para o público feminino (140), mas só 11 atendem continuamente. Já a Bahia tem 15 especializadas e duas no regime 24 horas.
Em Santa Catarina, há uma unidade 24 horas, segundo a Polícia Civil. No Pará, são 23 delegacias especializadas, sendo só quatro delas com regime 24 horas. Em Roraima, Distrito Federal e Amapá todas as delegacias da mulher são plantonistas, no entanto, não passam de três unidades em cada uma dessas unidades federativas. O número é baixo, considerando que são áreas com população de 652 mil a mais de três milhões de pessoas. No Rio de Janeiro também só existem delegacias da mulher em regime de 24 horas, sendo 14 ao todo.
Os governos estaduais, ao serem consultados sobre o número de unidades com atendimento ininterrupto, não informaram prazos precisos para adotar em 100% das delegacias o que estabelece a nova lei. Eles também não disseram quando pretendem ampliar a quantidade de unidades especializadas nesse tipo de atendimento. E boa parte respondeu que vai se “adequar” à mudança ou está estudando a implementação do novo modelo. O g1 perguntou ao Ministério da Justiça como a pasta vai acompanhar o cumprimento da lei.
Já o Espírito Santo disse que não vai ampliar os horários das delegacias da mulher. O governo do estado justificou que pretende aproveitar o espaço das unidades regionais que já são 24 horas para atender vítimas de violência doméstica. Ainda segundo o governo do Espírito Santo, as vítimas serão atendidas em locais especializados chamados “Salas Marias”. No entanto, não existe uma data para que o projeto saia do papel.
Leis locais anteciparam a nova exigência federal no Rio de Janeiro e Pernambuco, onde a adoção de delegacias em tempo integral é prevista desde setembro de 2019 e março de 2023, respectivamente. Em Pernambuco, no entanto, a Secretaria de Defesa Social (SDS) informou que, a princípio, não há planos para reforçar o serviço.
Confira o número de delegacias 24 horas em cada Estado:
- Acre: duas delegacias da mulher; nenhuma funciona 24 h
- Amapá: três delegacias da mulher; todas 24 h
- Amazonas: três delegacias da mulher na capital; apenas uma 24 h
- Alagoas: três delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Bahia: 15 delegacias da mulher; duas 24 h
- Ceará: 10 delegacias da mulher, sendo duas 24 h
- Distrito Federal: as duas delegacias da mulher são 24 h
- Espírito Santo: 14 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Goiás: 27 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Maranhão: 22 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Mato Grosso: oito delegacias da mulher, mas nenhuma é 24 h
- Mato Grosso do Sul: 13 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Minas Gerais: 69 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Pará: 23 delegacias especializadas, sendo quatro 24 h
- Paraíba: 14 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Paraná: 21 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Pernambuco: 15 delegacias da mulher; seis 24 h
- Piauí: 13 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Rio de Janeiro: 14 delegacias da mulher, sendo todas 24 h
- Rio Grande do Norte: 12 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Rio Grande do Sul: 21 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Rondônia: oito delegacias da mulher; nenhuma funciona 24 h
- Roraima: uma delegacia da mulher, que já funciona 24 h
- Santa Catarina: há uma delegacia da mulher 24 h
- São Paulo: 140 delegacias da mulher; 11 são 24 h
- Sergipe: 11 delegacias da mulher, sendo uma 24 h
- Tocantins: 14 delegacias da mulher; nenhuma delas funciona 24 h
Fonte do levantamento: portal G1
(Foto: Raul Spinassé/Folhapress)