Henrique Acker (Lisboa) – Após décadas de conflitos e sete anos de rompimento de relações diplomáticas, Irã e Arábia Saudita anunciaram um acordo de reaproximação, patrocinado pela China. Os dois países se comprometeram a reabrir embaixadas e estabelecer missões dentro de dois meses. Iraque e Omã sediaram várias rodadas de diálogo entre 2021 e 2022 para ajudar os dois rivais a retomarem os laços.
O acordo também observou sua “afirmação do respeito à soberania dos Estados e da não interferência nos assuntos internos dos Estados”. Os dois países também concordaram em fortalecer as relações bilaterais em vários setores.
O resultado das negociações é de grande importância para a resolução de outros conflitos no Oriente Médio e a Iniciativa de Segurança Global, proposta pela China, que ganhou reconhecimento internacional.
Entre os aspectos positivos para a segurança mundial está a possibilidade de ressuscitar o acordo nuclear com Teerã, embora ainda não se saiba o que a Arábia Saudita ofereceu ao Irã para facilitar o acordo, e vice-versa. Além disso, restam dúvidas sobre os mecanismos de controle e aplicação que a China colocou no acordo.
Assim como os EUA, Israel também está preocupado com este anúncio. O Irã ocupou durante muito tempo o papel de principal inimigo de Tel Aviv no Oriente Médio, que acabou por alimentar a assinatura dos Acordos de Abraão, no Verão de 2020, entre Israel, os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein e Marrocos, no quadro de uma aliança estratégica contra Teerã. O governo de Benjamin Netanyahu há muito que procura estabelecer relações com a Arábia Saudita e utiliza a ameaça iraniana como um meio para alcançar este objetivo.
Há notícias de que Pequim deve promover uma reunião de líderes árabes e iranianos no final deste ano. Se isso se confirmar, a China posiciona-se firmemente como protagonista em todo o Oriente Médio. O objetivo dos chineses é reforçar as relações econômicas na região, impulsionado os planos da Nova Rota da Seda.
“Em comparação com os países ocidentais, a China mantém amizade e equilíbrio com todos os países do Oriente Médio e não toma partido. Portanto, a China ganha credibilidade como um mediador”, destaca Niu Xinchun, diretor do Instituto de Estudos do Oriente Médio dos Institutos de Relações Internacionais Contemporâneas da China.
Tanto Irã como Arábia Saudita vêm sofrendo pressões políticas internacionais nos últimos tempos, sobretudo no Mundo Ocidental. O Irã por conta da perseguição e limitação aos direitos femininos. Já a Arábia Saudita pelas restrições a setores oposicionistas, como no caso do jornalista Jamal Khashoggi, assassinado em 2018, sob patrocínio do governo.
Embora os EUA tenham saudado publicamente a iniciativa, nos bastidores existem várias preocupações sobre as implicações para o Oriente Médio e a política global. Isto ocorre numa altura em que as relações entre Riad e Washington estão tensas.
O acordo entre Irã e Arábia Saudita não resolve, de imediato, os diversos conflitos armados no Oriente Médio, as chamadas “guerras por procuração” entre as duas facções do Islã (Irã, Xiita, e Arábia Saudita, Sunita). Até porque na Síria, Iraque, Iêmen e Líbano há questões sócioeconômicas e políticas internas por trás dos conflitos. No entanto, uma reaproximação entre os dois países pode inspirar futuros acordos no mundo árabe.
Sunitas x Xiitas
. Arábia Saudita (Sunita) e Irã (Xiita)sustentam um conflito histórico entre que divide o islamismo, explorado politicamente pelas grandes potências, que divide, enfraquece e fragiliza a unidade dos povos do Oriente Médio.
Sunitas
Os sunitas são a maioria entre os muçulmanos — cerca de 86% a 90%. De fato, o nome sunitas vem da expressão “Ahl al-Sunna”: “o povo da tradição”. Nesse caso, a tradição se refere a práticas derivadas das ações do profeta Maomé e seus parentes.
Assim, os sunitas veneram todos os profetas mencionados no Alcorão, mas particularmente Maomé, que é considerado o profeta supremo.
Grande produtor de petróleo, a Arábia Saudita é o principal aliado árabe dos EUA no Oriente Médio.
Xiitas
Os xiitas começaram como uma facção política ou partido de Ali. O Ali em questão era genro do profeta Maomé, e os xiitas reivindicam o direito dele e o de seus descendentes de liderar os muçulmanos.
Estima-se que atualmente existam entre 120 a 170 milhões de fiéis xiitas, aproximadamente um décimo de todos os muçulmanos. Eles são a maioria da população no Irã, Iraque, Bahrein, Azerbaijão e, segundo algumas estimativas, também do Iêmen.
Mas também existem comunidades xiitas importantes no Afeganistão, Índia, Kuwait, Líbano, Paquistão, Catar, Síria, Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Irã, inimigo declarado dos EUA, busca fugir do isolamento econômico, político e militar patrocinado por Washington.