O grito seletivo do tal mercado

O leitor menos avisado pode achar um mero bate-boca o discurso sobre o humor do mercado a cada declaração do presidente Lula sobre a necessidade de aprovar a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que prevê autorização para gastar R$ 198 bilhões fora do teto de gastos do governo o ano que vem, para bancar despesas com o Bolsa Família (que vai voltar a ter esse nome), farmácia popular, merenda escolar, tratamento de doenças crônicas e do câncer, além de investimentos no Programa Minha Casa Minha Vida, cultura, ciência e tecnologia.

Lula tem insistido que isso não é gasto, mas investimentos necessários na área social para combater a fome, gerar empregos e desenvolver o País. Na realidade, por trás desse debate existem poderosos interesses econômicos e bilhões de reais em jogo.

Ainda sob o governo Temer, na esteira do golpe dado contra a presidente Dilma Roussef, o Congresso Nacional aprovou o chamado Teto de Gastos. Em suma, significa que o governo só pode gastar o que arrecadar. O objetivo era garantir recursos bilionários para o pagamento de juros, encargos e amortizações da Dívida Pública brasileira e impedir sua explosão.

Para se ter uma ideia, em 2020, segundo cálculos do Tribunal de Contas da União, o País pagou em torno de R$ 1,4 trilhão só com os serviços da dívida. Essa dinheirama é destinada sobretudo a banqueiros, rentistas, especuladores e alguns milhares de investidores. Com uma das maiores taxas de juros do Planeta, essa dívida cresce a cada ano. Com uma mídia quase na sua totalidade financiada por grandes bancos e parlamentares submissos aos seus interesses é normal que não se toque nessa ferida.

Claro que não é razoável propor uma ruptura radical nesse modelo, sobretudo num governo de frente ampla. Isso seria uma revolução. Mas é preciso colocar as necessidades mais elementares da maioria da população no debate desse orçamento. É o que tem tentado fazer o presidente Lula. Para se ter uma ideia, este ano, os gastos com pagamento dos serviços da dívida vão consumir 5,63% do PIB (Produto Interno Bruto) do País. E o pagamento do Auxílio Brasil vai representar gastos da ordem de 1,2% do PIB.

Bolsonaro e Guedes estouraram o teto em 795 bilhões

Apesar de todo o discurso das elites contra a PEC sugerida por Lula, Bolsonaro vai finalizar seu triste governo tendo estourado o teto de gastos em R$ 795 bilhões, dos quais R$ 117,2 bilhões foram gastos este ano para bancar o aumento do Auxílio Brasil, dinheiro para caminhoneiros e taxistas. Ou seja, para tentar ganhar a eleição. Engraçado é que não ouve nenhuma gritaria das elites e o tal mercado ficou calado, porque queria a reeleição do presidente.

Dos R$ 198 bilhões previstos na PEC que Lula está propondo ao Congresso, R$ 105 bilhões são para pagar o auxílio que era de R$ 400 reais no atual governo, R$ 70 bilhões para garantir o valor atual de R$ 600 e acrescentar R$ 150 para famílias que tenham criança de até seis anos de idade. Outros R$ 23 bilhões vão depender de ter excesso de arrecadação. Bolsonaro dizia na campanha que iria garantir os R$ 600 reais, pagar 13º desse Auxílio e iria aumentar o salário-mínimo para R$ 1.400 reais. Porque o tal mercado não reagiu contra essas propostas que elevariam os gastos para valores muito superiores ao que Lula está propondo, de forma responsável e preocupado com a fome o desemprego?

Lula teve responsabilidade fiscal

Consta que o filósofo Karl Marx dizia que a prática é o critério da verdade. Frase de sabedoria cristalina pode jogar luz sobre a evolução da Dívida Pública nos últimos governos.

Ao final do governo FHC, em 2002, a Dívida Pública era de 59,93% do PIB.

Ao final do governo Lula, em 2010, a Dívida Pública era de 37,98% do PIB.

No final do governo Dilma, em 2016, era de 39,2% do PIB.

No final do governo Temer, em 2018, já pulou para 52% do PIB.

E agora, no governo Bolsonaro, em outubro, a Dívida Pública chegou a 75,3% do PIB. Por que os jornalistas e analistas tão preocupados com as finanças do País não denunciam Bolsonaro?

Tá claro que, entre todos os governos, os do PT foram os que conseguiram reduzir o estoque da Dívida em relação ao PIB com maior eficiência, sem descuidar de políticas sociais. Portanto tiveram responsabilidade fiscal e social. É justo que todo esse esforço para pagar banqueiros, rentistas e investidores também represente igual dedicação para colocar o povo no Orçamento. (Foto: Ricardo Stuckert)

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