EUA: Cerco de Trump a estudantes ameaça educação e economia

Desde que reassumiu a presidência, Donald Trump tem questionado a habilidade das universidades dos Estados Unidos em captar e reter alunos internacionais, em sua luta contra essas instituições de ensino superior, que considera adversárias de sua agenda conservadora. Entretanto, investigadores alertam que essa campanha de Trump pode provocar uma saída intensificada de acadêmicos, o que traria consequências não apenas para as finanças das universidades, mas também para a economia do país como um todo.

Recentemente, o secretário de Estado, Marco Rubio, declarou a anulação dos vistos de estudantes da China que estão supostamente associados ao Partido Comunista e decidiu interromper o agendamento de entrevistas para novos vistos de estudantes nos consulados americanos. A Universidade Harvard, que é o foco principal da represália, teve a sua permissão para matricular estudantes internacionais suspensa uma determinação que foi temporariamente anulada por uma juíza federal nesta quinta-feira.

Conforme informações do Instituto de Educação Internacional dos Estados Unidos, a quantidade de alunos internacionais inscritos em universidades americanas alcançou um patamar histórico de 1,1 milhão durante o ano letivo de 2023-24, representando cerca de 6% do total de estudantes no país. Contudo, essa proporção é ainda mais pronunciada em instituições de alto prestígio, que possuem os maiores fundos patrimoniais. Na Universidade de Columbia, que faz parte da renomada Ivy League, os estudantes estrangeiros compõem quase 40% do total de matriculados, enquanto em Harvard, eles corresponderam a um quarto do total de alunos. Entretanto, Trump tem planos para alterar esses números.

 

indivíduos que aspiram a estudar em Harvard e em outras universidades, mas enfrentam dificuldades devido à presença de alunos internacionais afirmou o presidente, promovendo um teto de 15% para essa participação.

Para as instituições de ensino, a presença de estudantes internacionais é fundamental: a maior parte desses alunos não conta com suporte financeiro das universidades para seus estudos e, em algumas delas, os valores pagos podem ser até 150% superiores aos dos alunos locais, o que contribui para o financiamento de bolsas para estudantes nacionais. De acordo com o Instituto de Educação Internacional, aproximadamente 86% dos alunos de graduação e quase dois terços dos alunos de pós-graduação estrangeiros financiaram seus próprios estudos.

— Para garantir oportunidades para os estudantes da região, é fundamental admitir um maior número de alunos internacionaisafirma Gaurav Khanna, economista da Universidade da Califórnia, em entrevista ao New York Times.

 

Ultimamente, a Câmara dos Deputados, sob o domínio dos republicanos, deu aval a um projeto de lei que, caso assinado, representará um novo golpe para as universidades de prestígio ao elevar consideravelmente os tributos sobre seus recursos financeirosfundos que as instituições utilizam para investir em projetos comunitários, investigações e concessão de bolsas. Junto ao fechamento para estudantes estrangeiros, o sistema de ensino superior tal como é conhecido atualmente nos Estados Unidos corre um risco sério, destacam os especialistas.

Várias instituições dependem dos alunos internacionais, não apenas pela diversidade global que eles proporcionam ao ambiente acadêmico, mas também pela segurança financeira que oferecem afirmou Daniel Pierce, advogado da firma Fragomen, em conversa com a Bloomberg. — Essas universidades estão diante de uma decisão complicada: atender prontamente às demandas rigorosas do governo ou se preparar para enfrentar disputas legais.

 

Efeito sobre o cenário profissional

As consequências influenciam o setor laboral nos Estados Unidos. Atualmente, a maior parte dos alunos internacionais se dedica a cursos nas disciplinas de Stem (que em inglês se refere a Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Após a conclusão de seus estudos, muitos deles assumem posições importantes no Vale do Silício ou em Wall Street.

 

O risco enfrentado pelos Estados Unidos é a possibilidade de perder profissionais altamente qualificados. No campo da tecnologia, há uma movimentação para recrutar trabalhadores estrangeiros, devido a uma carência histórica de especialistas na área, analisa o advogado em imigração Gustavo Nicolau ao GLOBO.

Na opinião de Nicolau, os alunos internacionais trazem benefícios significativos para os Estados Unidos: a maior parte não possui autorização de trabalho enquanto estuda, o que significa que não entra em competição com os cidadãos americanos. Além disso, eles contribuem para a economia do país durante a sua permanência, que necessitam residir ali. Após a graduação, têm a opção de se juntar ao mercado de trabalho nacional ou iniciar seus próprios negócios.

Segundo a Associação de Educadores Internacionais, esse grupo contribuiu com cerca de US$ 44 bilhões para a economia dos Estados Unidos e criou 378 mil postos de trabalho apenas no ano anterior. O efeito é ainda mais abrangente: entre as 500 pessoas mais ricas do planeta, conforme o Bloomberg Millionaires Index, ao menos 55 não nasceram nos EUA, mas tiveram sua formação no país. Muitas dessas pessoas acumularam riqueza lá, colaborando para o crescimento econômico e a geração de empregos.

No ano letivo anterior, mais de 240 mil alunos com autorização para trabalho temporário (OPT) foram empregados. Por outro lado, o programa de vistos H-1B, que possibilita trabalho permanente nos Estados Unidos, teve mais de 50% das suas 360 mil autorizações concedidas no período de 2020 a 2023 destinadas a estudantes estrangeiros, sendo a maioria proveniente da China e da Índia.

Conflito de interesses: A administração Trump planeja reduzir em mais de R$ 500 milhões os recursos federais destinados a Harvard.

O incidentegera reações de outros países, especialmente em Pequim, que considerou a busca por vistos de estudantes chineses como “discriminação”. Atualmente,aproximadamente 275 mil estudantes chineses nos Estados Unidos, representando 20% de todos os vistos educacionais concedidos. Em uma conversa com o New York Times, Xiaofeng Wan, consultor na China para estudantes que desejam ingressar em instituições americanas, afirma que muitas famílias estão hesitantes em mandar seus filhos para os EUA.

 

— Eles questionam se é apropriado enviar seus filhos para uma nação que não os deseja. Jamais presenciei uma situação como essa.

Caso essa tendência persista, a quantidade total de estudantes estrangeiros nos Estados Unidos pode diminuir para menos de um milhão pela primeira vez desde 2015, conforme declara o professor Chris Glass, da Boston College. Ele projeta que entre 50 mil e 75 mil estudantes de pós-graduação nas áreas de ciência e tecnologia podem ser impactados pelas reduçõesimplementadas pelo governo, e o processo rigoroso de obtenção de vistos tende a agravar ainda mais essa situação.

 

— É um dano que vai além do ambiente acadêmico afirmou ao Times. (Foto: Reprodução)

 

Por Opinião em Pauta com BBC

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