Recentes declarações de Mauro Cid e novas provas mostram como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi empregada durante a administração Bolsonaro para vigiar opositores políticos e até mesmo colaboradores, por meio do uso indevido de um software de espionagem israelense denominado First Mile.
“José Roberto de Toledo, colunista do UOL, destacou no podcast A Hora desta sexta-feira (21) que a Abin foi tão privatizada e seu uso se tornou tão corriqueiro, sem qualquer critério, que passou a ser considerada como se fosse a casa da mãe do Bolsonaro. ‘Ela já não é mais uma instituição do Estado‘, afirmou.”
De acordo com as apurações, um grupo restrito na Abin, liderado por Alexandre Ramagem, efetuou a vigilância ilegal de várias figuras políticas e profissionais da mídia. O sargento Giancarlo Gomes Rodrigues, que foi designado do Exército para a agência, usou o sistema First Mile em ao menos 887 ocasiões para monitorar a localização de indivíduos vistos como “opositores” ao presidente da época.
O First Mile oferece uma funcionalidade que seria ideal para os investigadores: utilizando apenas um número de telefone celular, o sistema “localiza o dispositivo no mapa, triangulando a partir das torres de telefonia, e fornece a localização do aparelho, e consequentemente do seu proprietário, em tempo real”.
Sem concorrência pública
Os alvo da fiscalização inadequada incluíam o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, a ex-deputada Joyce Hasselmann, o ex-deputado Vicente Cândido e o ex-deputado Jean Wyllys.
O programa, comprado sem processo licitatório durante a mudança de governo entre Temer e Bolsonaro, possibilita monitorar a posição de dispositivos móveis em tempo real por meio da triangulação das torres de telefonia. A execução desse projeto era supervisionada pelo general Augusto Heleno, que na época liderava o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Os documentos confiscados revelam que Heleno possuía um caderno escrito à mão com “tarefas” ligadas à organização de atividades contra o sistema eleitoral, compondo uma estratégia mais ampla para deslegitimar as urnas eletrônicas.
Lenha na fogueira
Conforme apontou o colunista político, “o general Heleno é alguém que, ao contrário do que se afirmou durante a administração Bolsonaro, em que se dizia que ele estava ali para manter a ordem e tranquilizar o presidente, era, na verdade, aquele que alimentava a chama da discórdia.”.
Durante um encontro com os militares, Heleno comentou que havia “membros da Abin que iremos inserir nas outras campanhas”, sendo prontamente interrompido por Bolsonaro, que disse: “Espere um instante, general, isso não, não mencione isso aqui, depois conversamos a sós”.
A apuração também indica que a Abin foi empregada para atender interesses pessoais do presidente, incluindo a coleta de dados sobre seu filho Jair Renan e sua ex-mulher, no contexto de uma investigação realizada pela Polícia Civil do Distrito Federal sobre uma possível atuação de lobby.
Interesses particulares
“Utilizar os recursos do governo para investigar a vida privada de outras pessoas, sem autorização judicial e sem justificativa além de sua própria desconfiança, é um crime, e essas pessoas devem ser punidas com penas de prisão“, afirmou o colunista.
A utilização inadequada da agência de inteligência trouxe repercussões que alcançam o presente governo. O presidente Lula decidiu retirar a responsabilidade da segurança presidencial da Abin, passando essa atribuição para a Polícia Federal após os acontecimentos de 8 de janeiro.
As informações foram reveladas em uma acusação feita pela Procuradoria-Geral da República, que traz evidências concretas, como gravações de diálogos e documentos que foram confiscados. A situação revela como uma entidade pública, que deveria priorizar os interesses estratégicos da nação, foi encaminhada para favorecer interesses pessoais e alimentar as ansiedades políticas do presidente da época.
A acusação é caracterizada como “uma obra quase engraçada, se não fosse lamentável“, revelando como a Abin “foi tornada privada para servir unicamente aos interesses pessoais do indivíduo que ocupava a presidência da República, com a intenção de realizar um golpe de Estado.”. (Foto: Reprodução)