Sinais de Alzheimer desaparecem de exames de paciente nos EUA

O texto abaixo leva a assinatura de  Sandee LaMotte, da CNN dos EUA:

 

O neurologista americano Richard Isaacson olhou para os números no fax com espanto. Os biomarcadores sanguíneos de sinais reveladores de doença de Alzheimer precoce no cérebro do seu paciente, o empresário Simon Nicholls, de 55 anos, praticamente desapareceram em apenas 14 meses.

“Tive que recuperar o fôlego. Foi um choque completo: os exames de sangue no cérebro dele haviam normalizado”, relembra Isaacson, diretor de pesquisa do Instituto de Doenças Neurodegenerativas de Boca Raton, na Flórida, nos Estados Unidos.

Teria sido a melhora impressionante dos exames o resultado de algum novo medicamento milagroso para combater a demência? Não. Esta é uma história de coragem e determinação à moda antiga.

“Simon estava em uma missão, como se a Dona Morte estivesse espiando por cima do ombro dele. Ele iria arrasar e anotar nomes”, afirma Isaacson.

Nicholls reduziu o risco de desenvolver Alzheimer com mudanças no estilo de vida recomendadas pelo médico, incluindo dieta, exercícios, redução do estresse e otimização do sono, juntamente com alguns suplementos e medicamentos estrategicamente escolhidos e prescritos por seu cardiologista.

“Fiquei muito preocupado”, contou Nicholls ao correspondente médico-chefe da CNN, Sanjay Gupta, no novo documentário The Last Alzheimer’s Patient (“O Último Paciente de Alzheimer”, em tradução livre), que vai ao ar na série The Whole Story with Anderson Cooper.

“Tenho um filho de 3 anos e outro de 8 anos. É muito importante para mim, à medida que envelheço, tentar estar ao lado deles no futuro”, acrescentou o paciente. “Há muitas [mudanças] no estilo de vida que você pode fazer para, com sorte, empurrar a doença para trás e ter mais tempo, que é tudo de que precisamos até encontrarmos uma cura.”

 

Genes azarados

Em matéria de genética e demência, Nicholls não era exatamente alguém com sorte. Ele carregava duas cópias do gene APOE4, uma de cada um dos pais, o que pode aumentar o risco de desenvolver a doença de Alzheimer em pelo menos dez vezes.

“Infelizmente, minha mãe faleceu do que pensamos ser Alzheimer aos 70 anos”, revela Nicholls. “Nos últimos dez anos de sua vida, ela apenas ficou sentada em uma cadeira, balançando-se, enquanto tomava cerca de 14 medicamentos. Prefiro ter uma vida útil mais longa e depois ir rapidamente.”

No entanto, nem todas as pessoas com uma ou mesmo duas cópias de APOE4 desenvolvem Alzheimer, o que desperta uma dúvida desafiadora: é possível diminuir o risco genético de Alzheimer por meio do estilo de vida e de intervenções médicas, especialmente quando iniciadas precocemente, antes que ocorram danos maiores?

Isaacson, que também tem histórico familiar de Alzheimer, diz acreditar que a resposta é sim. Ele iniciou a primeira clínica dos Estados Unidos dedicada à prevenção do Alzheimer, na cidade de Nova York, em 2013, antes de mudar o seu programa para a Flórida em 2021.

Uma pesquisa do neurologista mostrou que seguir uma dúzia ou mais de intervenções no estilo de vida, quando praticadas 60% ou mais do tempo, pode melhorar a função cognitiva, especialmente em mulheres.

Hoje, cientistas de todo o mundo também estão investigando o impacto na cognição de mudanças no estilo de vida, como uma dieta saudável baseada em vegetais, redução do estresse, treinamento de força, exercícios aeróbicos e hábitos de sono de qualidade – comportamentos que Isaacson e sua equipe descreveram em um recente estudo publicado na revista Nature.

“Eu não uso o termo ‘reverter’. Não sei o que significa reverter quando se trata do campo da doença de Alzheimer”, diz Isaacson. “Mas os resultados que vimos com Simon, e alguns outros pacientes em nossa pesquisa, são extremamente empolgantes.”

 

Como o coração e o cérebro estão interligados

O Alzheimer não é o único caminho para uma vida de memória cada vez menor e incapacidade de pensar, planejar e interagir com os entes queridos.

A demência vascular, o segundo tipo mais comum de demência depois da doença de Alzheimer, pode ser causada por aterosclerose, um acúmulo de placas nas artérias que pode causar ataques cardíacos, derrames, coágulos sanguíneos e muito mais, todos capazes de danificar ainda mais o corpo e o cérebro.

Os problemas cardíacos e suas consequências podem ocorrer de forma desenfreada em uma família ao longo de gerações, e esse é um fato que Nicholls já conhecia bem.

“Toda a minha família teve ataques cardíacos intermináveis, resultando na morte do meu avô materno por volta dos 50 anos”, afirma o empresário. “Minha mãe teve três ataques cardíacos, o primeiro, aos 50 anos. Depois, uma ponte de safena tripla, antes de desenvolver demência.”

Portar um gene APOE4 aumenta ainda mais o risco de doenças cardíacas e também de demência, segundo os especialistas.

“Minha irmã teve três ataques cardíacos e, quando eu tinha 40 anos, me disseram que eu tinha aterosclerose, com uma pontuação de cálcio nas artérias coronárias ridiculamente grande, de cerca de 1,5 mil, e oclusões em cerca de 96% das minhas artérias.”

Um resultado normal de cálcio na artéria coronária é zero. Para um homem no auge da vida, a notícia foi esmagadora. Os médicos tentaram indicar mudanças no estilo de vida e estatinas para reverter o acúmulo de cálcio, mas finalmente recorreram à cirurgia, abrindo três artérias de Nicholls com stents.

O empresário também começou a usar um medicamento injetável chamado evolocumabe, desenvolvido para aumentar a capacidade do fígado de remover a lipoproteína “ruim” de baixa densidade, ou LDL, do corpo.

 

“Era hora de voltar ao meu cérebro”

Lentamente, o problema cardíaco de Nicholls começou a melhorar, mas as más notícias não pararam por aí. Uma tomografia cerebral encontrou sinais reveladores de dano vascular no cérebro, que ocorre quando os menores vasos sanguíneos ficam sem oxigênio.

“Os médicos disseram que eu tinha muitas lesões na massa branca. Disse a mim mesmo que, como agora tinha meu coração mais ou menos sob controle, era hora de recorrer ao meu cérebro”, conta Nicholls.

Em janeiro de 2023, o empresário se tornou o participante nº 34 de um novo ensaio clínico no centro de Isaacson na Flórida. A experiência foi projetada para descobrir fatores de risco cognitivos e combatê-los com um plano de ataque personalizado.

Como parte do estudo, Nicholls foi submetido a uma bateria de testes, incluindo um exame de sangue exclusivo que pode rastrear os níveis de amiloide, tau e outros biomarcadores característicos para a doença de Alzheimer e outras condições degenerativas.

Os depósitos de amiloide podem começar a se acumular no cérebro décadas antes do início dos sintomas, mesmo na faixa dos 30 e 40 anos.

“O primeiro teste de Simon deu uma pontuação de 70. Qualquer coisa acima de 58 significa positivo para a presença de amiloide no cérebro”, diz Isaacson. “Os resultados comprovaram o exame PET de amiloide que Simon fez em 2019, quando pude ver a placa no cérebro dele.”

 

10 mil passos por dia: “Sou muito consistente”

A primeira intervenção foi medicar Nicholls com tirzepatida (o ingrediente ativo dos medicamentos Mounjaro e Zepbound), um dos remédios injetáveis mais recentes que suprimem o apetite ao estimular hormônios que controlam os níveis de açúcar no sangue.

Ao mesmo tempo, Nicholls foi incentivado a intensificar sua atividade física, incorporando treinamento de força três vezes por semana e adicionando 45 a 60 minutos por dia de exercícios da zona 2, aqueles em que você caminha rapidamente, corre, corre ou anda de bicicleta com 60% a 70% da sua frequência cardíaca.

“Adoro passear todas as manhãs, ao nascer do sol, durante uma hora e meia, com um podcast. Eu dou 10 mil passos ou mais todos os dias. Sou muito consistente”, afirma Nicholls. “Eu também faço um treino muito lento de corpo inteiro com pesos três vezes por semana durante uma hora.”

Evitar açúcar, adoçantes artificiais, álcool e alimentos ultraprocessados é obrigatório, assim como seguir um plano alimentar baseado em vegetais, como a dieta mediterrânea.

“Quando vi Simon pela primeira vez, ele tinha um pouco de barriga, como a maioria dos caras na casa dos 50 anos”, lembra Isaacson. “Quando o vi nove semanas depois, fiquei surpreso. Ele estava muito forte, até mesmo musculoso.”

“Nessas nove semanas, ele perdeu 21 quilos, cerca de 80% disso em gordura, e ganhou músculos, o que foi excelente”, acrescentou Isaacson. “Quase não o reconheci.”

A perda de peso e o aumento da massa muscular reduziram os níveis de açúcar no sangue em jejum de Nicholls, encerrando sua marcha em direção ao diabetes, enquanto alguns ajustes em seus medicamentos melhoraram ainda mais os seus números de colesterol.

Em agosto de 2023, chegou a hora de repetir o exame de sangue para amiloide. Nessa altura, a empresa que administra os testes tinha acrescentado uma medição para tau, outro sinal importante da doença de Alzheimer, da demência do lobo frontal e da doença dos corpos de Lewy.

“A pontuação de probabilidade de amiloide de Simon no novo teste APS2 caiu para 53, o que foi fenomenal“, diz Isaacson. “Mas ele ainda era positivo, já que qualquer valor entre 48 e 100 é considerado um reflexo de uma alta probabilidade de placas cerebrais amilóides em uma tomografia cerebral.”

Em seis meses, Nicholls baixou os níveis de amiloide no sangue de 70 para 53.

 

“Aperte os parafusos”

Agora que as grandes preocupações sobre colesterol, insulina, dieta, exercício e massa gorda foram abordadas, era hora de “apertar os parafusos”, nas palavras de Isaacson, com recomendações personalizadas baseadas na biologia de Nicholls.

“Otimizamos os níveis de ácidos graxos ômega-3 do Simon, o que é especialmente importante para pessoas com APOE ε4, porque elas precisam de mais ômega-3. Também adicionamos vitaminas do complexo B para controlar o nível elevado de homocisteína no sangue“, descreve Isaacson. “No entanto, não daríamos vitaminas do complexo B a ninguém que não tivesse níveis mais elevados de homocisteína.”

A homocisteína é um aminoácido usado pelo organismo para produzir proteínas e, em níveis elevados, é um fator de risco para atrofia cerebral, comprometimento cognitivo e demência. Um ensaio clínico randomizado, de setembro de 2010, descobriu que a suplementação retarda a atrofia cerebral em pessoas com comprometimento cognitivo leve.

Em meio às mudanças em seu estido de vida, Nicholls – um pesquisador ávido, que adora ler revistas médicas – acrescentou algumas intervenções de sua própria autoria no tratamento.

“Tenho salas de vapor e sauna em minha casa, faço muito isso. Eu adoro isso”, revelou. “Já experimentei mergulhos em água fria, e tenho listas de coisas para fazer que recebo em podcasts, desde caminhar até dormir, até gratidão, ioga e rotinas de sono.”

“Mas há uma coisa que faço com a qual o doutor Isaacson não concorda: recebo injeções de células-tronco duas vezes por ano”, acrescentou Nicholls. “Infelizmente, tenho artrite nas mãos, e isso definitivamente melhora quando uso células-tronco, e gosto de pensar que elas também podem estar ajudando meu cérebro.”

Havia mais uma grande questão a resolver: o sono de Nicholls, ou a falta dele – estudos demonstraram que isso pode acelerar o declínio cognitivo e a doença de Alzheimer.

Com negócios em todo o mundo, Nicholls é um passageiro frequente de companhias aéreas com “sono terrível” devido ao jet lag e à insônia. “Também sou um tipo de pessoa preocupada”, confessou.

Adicionar um medicamento para dormir aprovado para insônia ajudou, “mas Simon realmente precisa cuidar do seu sono, melhorando sua higiene do sono com um horário de sono mais regular”, afirmou Isaacson.

 

Um resultado inacreditável

No Halloween de 2023, chegou o novo exame de APS2. Surpreendentemente, Nicholls reduziu a quantidade de amiloide e tau em seu sangue para 40: ele estava com o teste de sangue negativo para sinais de Alzheimer.

Chocado e surpreso, Isaacson permaneceu cético. “Fui muito cauteloso. Você sabe, prometa não prometer demais. Eu precisava testar novamente.”

Poucos dias antes do Natal, chegaram os exames repetidos. Os números novamente apontaram um resultado negativo de 40, e Isaacson decidiu contar a Nicholls pessoalmente.

“O doutor Isaacson dirigiu de Boca Raton a Miami animado, muito feliz”, lembra Nicholls. “Caminhamos juntos pela praia e ficamos em êxtase por termos conseguido passar de positivo para negativo para amiloide.”

Embora Nicholls esteja extasiado com as melhoras, ele também é muito humilde quanto aos seus esforços para aprimorar sua saúde.

“Eu realmente não sou tão obediente. Cumprir é terrivelmente difícil, né? Claro que quero tomar uma cerveja, um hambúrguer ou alguma coisa boba. Adoro ursinhos de goma e comer comida ruim”, admite o paciente. “Ajudou o fato de eu ter ótimos médicos para me ajudar, mas, para ser honesto, meu maior motivador são meus filhos”, acrescenta.

“Eu adoraria ver meus filhos se casarem e terem seus próprios filhos e, para isso, tenho que me esforçar para continuar como estou agora.”

Parece que Nicholls está no caminho certo em direção a esse objetivo. Em março, sua pontuação APS2 caiu para 25, um número inacreditavelmente baixo.

Não só o sangue de Nicholls ficou negativo para amiloide e tau, como o teste sugeriu que a amiloide cerebral poderia ser normal, sem sinais distinguíveis da doença. A única maneira de provar isso definitivamente, no entanto, seria repetir o exame PET de amiloide, segundo Isaacson.

“O que realmente diminuiu a pontuação dele foi o valor de amiloide”, afirma o médico. “Normalizou em 0,101, o que é muito bom. Isso não é assunto para discussão: para amiloide, 0,101 é normal.”

Ainda mais surpreendente: exames de volume cerebral mostraram que o hipocampo, o minúsculo órgão em forma de cavalo-marinho responsável pela memória, na verdade, havia aumentado de volume no cérebro de Nicholls desde que ele iniciou a intervenção.

Nos estágios iniciais do Alzheimer, o hipocampo perde tecido rapidamente e, depois, atrofia à medida que a doença progride.

Apesar destes resultados surpreendentes, Isaacson permanece cauteloso. Afinal, trata-se de uma pessoa, e descobertas semelhantes não foram replicadas em uma amostra maior, e mais controlada, e publicadas em uma revista com revisão por pares.

“Não acredito no termo ‘reverter’ porque não sei o que acontecerá se a pessoa parar de fazer a intervenção”, afirma o médico. “Também não sei se o cérebro poderá se normalizar durante um curto período de tempo e, depois, cinco anos mais tarde, recuperar o atraso. Até que eu tenha mais dados, não acho que reverter seja a palavra certa.”

Isso não impede a admiração do neurologista com os resultados e a gratidão dele com Nicholls por sua dedicação contínua ao estudo e às intervenções personalizadas.

“Ainda não consigo acreditar. Eu já tinha visto isso antes, mas apenas em pessoas que tomam medicamentos antiamilóides”, resume Isaacson. “Quando você trabalha toda a sua carreira e todos dizem: ‘Não é possível fazer isso’, e, então, você vê… bem, ainda fico humilde e surpreso.”.

Na imagem, Simon Nicholls – que mudou estilo de vida na batalha para conter sinais precoces de Alzheimer e viver mais com o filho Sylver, de 3 anos (Foto: Simon Nicholls/Arquivo pessoal)

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